Ed. Bertrand Brasil, 2008 - 350 páginas: |
Roseanne McNulty é uma idosa que há quase sessenta anos mora em um asilo. Doutor Grene, há décadas o psiquiatra responsável pela instituição, precisa finalizar alguns casos e analisar que pacientes podem ser liberados antes que o governo derrube o prédio em que ela funciona. Ao estudar o caso de Rose, o médico descobre que não conhece as origens dela nem por que foi parar lá. Como esclarecer isso? Perguntar à frágil paciente já com 100 anos e assumir seu descaso não parace uma boa ideia.
Já percebi, relendo minhas resenhas, o perigoso caminho que tomo ao (tentar) resenhar um livro logo depois de terminá-lo. Ainda estou tomada pelas sensações causadas pela leitura e, passional que sou, atrevo-me a dar pistas que, talvez, com os dias, não seriam as mesmas, depois de ruminadas em meus pensamentos. Tem sido assim com as boas leituras que fiz nos últimos meses. Elas (as sensações) permanecem comigo, mesmo alguns livros depois, porque, por me tocarem, passam a morar em mim. Não é raro me surpreender revisitando a memória de uma parte das histórias lidas e tendo uma nova impressão daquilo que me impressionou. Às vezes uma nova percepção, outras vezes uma constatação... e daí uma exclamação!
Divagações à parte, o livro Os Escritos Secretos me conquistou, como muitos, pelo belo título. Depois de ler a sinopse, passei a desejá-lo ardentemente (não leve em tanta consideração meu excesso de romantismo...). E ainda demorei para pegá-lo, enfim, vejam só que contraditório...
Sebastian Barry divide a narrativa entre as falas de Roseanne e Dr. Grene. Ela, nossa protagonista, uma idosa centenária há muitos anos ‘depositada’ em um hospital psiquiátrico. Ele, o psiquiatra responsável pela triagem dos pacientes que migrarão para a nova instalação do asilo, já que o prédio onde estão (em péssimas condições) será demolido.
Cabe ao Dr. Grene selecionar, dentre os pacientes, quais poderão voltar a viver em sociedade e quais permanecerão internados. Para isso, precisa avaliar cada um. Roseanne é a mais velha interna, por quem Dr. Grene nutre um sentimento que não sabe decifrar. Um misto de curiosidade e carinho, mas sabe de sua negligente falta de atenção para com a história de vida dessa senhora. A demora de Roseanne no hospital (cerca de sessenta anos) é um assunto esquecido pelos médicos e os registros de sua vida nas instituições psiquiátricas estão quase todos perdidos.
A leitura é romântica, interessante, apresenta alguns fatos históricos da Irlanda (ambiente da trama) e a força do catolicismo nas primeiras décadas do século vinte. Os preconceitos de gênero e religioso estão bem presentes nas lembranças que Roseanne divide com o leitor – motivos de minha indignação constante na leitura, devo ressaltar.
Apesar de todas as amarguras de sua vida, Roseanne consegue tirar lições adoráveis de suas (imensuráveis) dores, seguiu em frente com algum otimismo e muito conformismo, sem qualquer alternativa ou possibilidade de ajuda. Está lúcida quando decide escrever sua história para que, quem sabe, Dr. Grene descubra sua versão do que viveu. Mas, ao mesmo tempo em que escreve e esconde os escritos, cala-se diante dele, nega-se a responder às perguntas que ele faz enquanto tenta reavaliá-la. Foi submetida a cruéis injustiças, a maior delas, para mim, o preconceito. Suas mãos envelhecidas e trêmulas testemunham, nas paginas que escreve, a busca que faz de seu passado, na tentativa de reconstruir sua história, reencontrar-se consigo, perdoar seus algozes, registrar que está viva e esquecida, sozinha.
“Quando jovem, eu achava que os outros eram os autores da minha felicidade ou do meu infortúnio; eu não imaginava que uma pessoa poderia sustentar um muro de tijolos e cimento imaginários contra as sombrias artimanhas, horrendas e cruéis, que o tempo investe contra nós e ser, assim, a autora delas.” (p. 12)
Dr. Grene, por sua vez, reavalia seus sessenta e cinco anos de vida, seu desempenho profissional (que desqualifica, em muitos momentos) e, principalmente, entrega-se à dor do luto depois de um casamento fracassado. É um personagem inquieto, voltado para si. Tentando entender os caminhos que tomou e prestes a se aposentar, interessa-se cada vez mais pela obscuridade do passado de Roseanne. É nessa busca que o livro ganha o contorno mais atraente: quem é Roseanne, o que (ou quem) a levou para o hospital?
“Quando Bet morreu, eu me olhei no espelho pela primeira vez em muitos anos. Digo, eu encarava o espelho a cada manhã, mas não olhava para mim mesmo. Fiquei espantado com o que vi. Eu não me conhecia. (...) Não me dera conta desse simples fato enquanto Bet vivia. Eu estava velho. Eu não sabia o que fazer. Então, procurei minha velha navalha e me barbeei.” (p.141)
Se no início eu me encantei com a escrita habilidosa de Barry e logo depois achei o ritmo um pouco morno, tudo valeu a pena com os capítulos finais! A narrativa é mesmo envolvente. Roseanne é uma personagem linda, rica, sofrida, uma idosa que tive vontade de sentar ao lado e viajar na sua história de vida, sem questionar o que ali é verdade ou ilusão, o que é parte de sua lucidez aos 100 anos ou o que recebeu as nódoas do tempo.
Nos instantes finais fiquei apreensiva, saboreei cada linha escrita, devagar, como pede aquele último pedaço do alimento saboroso que degustamos. (Sou louca o suficiente para cobrir com a mão as últimas frases da página, com medo de antever a surpresa que me aguarda...) Até suspeitei do que o livro reservava como última emoção, mas nem de longe poderia atestar a surpresa e o contentamento que Sebastian Barry conseguiu causar em mim. Aquele êxtase de encontrar lindos trechos, belíssima explicação dos fatos, me deixando com um sorriso enorme entre os suspiros a cada página vencida. E desacelerei no finalzinho, pra não perder aquela sensação gostosa de ter encontrado, mais uma vez, uma leitura que me alimentou a alma! Hahahaha... a louca viagem que só um grande autor proporciona. Quem há de me entender? Quem há de me acusar pelos excessos?
Resenhado por: | |
Manu Hitz, cearense, fisioterapeuta e mãe. “Eu não tenho o hábito da leitura. Eu tenho a paixão da leitura. O livro sempre foi para mim uma fonte de encantamento. Eu leio com prazer. Leio com alegria.” Ariano Suassuna |
os quotes são super reflexivos. Imagino o conjunto de todos eles e me atiço para ler o livro. Ainda tem um quê de mistério a qual tanto gosto. Leria com certeza !
ResponderExcluirbj, dréa
Acho que eu já gostei do livro pela resenha! Muito bem escrita, parabéns Manu.
ResponderExcluirNão conhecia o livro ainda, mas parece que o autor tem talento de sobra e consegue misturar um certo romantismo com as reflexões sobre o tempo e como ele foi aproveitado. História sobre reconstrução de história. Isso é interessante.
bjs
Apesar de não gostar muito de livros em que os personagens, ou no caso, a personagem principal já tem uma certa idade (será que tenho preconceito? :O)
ResponderExcluirEnfim... Porém esse bem legal, parece ser bem feito e valer muito a pena, uma história cheia de curiosidades, mistérios, gosto desse tipo de leitura. Mas nem conhecia ou autor e muito menos seu livro. Mas deu pra notar que vale a pena lê-lo.
Adorei a resenha, o livro parece ser ótimo. Não tinha ouvido falar, já separei aqui e vou marcar no Skoob, com certeza uma das minhas próximas leituras.
ResponderExcluirBeijos
Cintia
www.theniceage.blogspot.com
Não me interessei pelo livro.
ResponderExcluirNão conhecia o livro, mas parece ser ótimo. A Roseanne parece uma personagem tão cativante, tão fofa, tão incrível, fiquei bem curiosa pra conhecer a história dela. Saber quem a deixou no asilo e porquê! Quero saber tudo! haha A capa encanta também, é diferente, mas gostei bastante! :))
ResponderExcluirquerida manuh, você bem deve saber que este é um de meus livros desejados também, tá lá no velho e bom skoob. suas palavras foram o vento na fogueira, totalmente poéticas, como o próprio livro deve ser. também tenho dificuldade em resenhar logo após a leitura, mas tenho medo de deixar escapar algum detalhe se demoro a fazê-la. o choque que um livro desse calibre nos causa deve ser compartilhado, derramado, senão nos afoga. ficamos com ele na cabeça por dias e dias. não a acuso pelos excessos, isso nunca farei, porque o vício pelas palavras e frases bem colocadas nos é caro. por culpa sua, este livro que era desejado, tornou-se imprescindível! maravilhosa resenha!!!
ResponderExcluirManu, minha querida!
ResponderExcluirQue resenha incrível!!! Eu já tinha observado a capa durante sua leitura no skoob e estava curiosa, esperando você terminar para saber mais!
Adorei a temática e fiquei muito curiosa para saber porque uma senhora idosa fora abandonada em um hospital psiquiátrico... É muito tempo para um tratamento.. e pelo que percebi ela foi ficando e ficando e nem mesmo os funcionários não se importaram mais....Que triste!
Adoro os idosos, eles têm história pra contar, de vida, de mudança de tempo, de hábitos e de guerras. Não há aula de história melhor!!!
Adorei os quotes, carregados de emoção!
E o final... ahhh como sei o que vc está dizendo... ler devagar pra não acabar, pra não parar de sentir a emoção, pra digerir os acontecimentos.... A despedida é muito cruel!!!!
Amei amiga, amei!!! Parabéns pela leitura da alma!!!
Nossa, se a resenha já é bela quem dirá o livro!
ResponderExcluirMesmo não gostando de dramas a sua resenha me deixou encantada pela obra e caso tenha oportunidade de lê-la com certeza lerei, deve ser um livro muito bonito e tocante e com uma bela lição de vida.
Acho legal a forma como vc passou as emoções que sentiu durante a leitura pois assim fica mais palpável a obra, não sei explicar, mas é como se vc mostrasse o valor, a essência do livro.
Parabéns pela resenha Manu!
Suas resenhas são tão perfeitas, eu realmente não queria ler o livro, mas não tem como ler sua resenha e não mudar de opinião, sim agora quero ler o livro, agora estou curiosa para saber mais sobre a história .
ResponderExcluirResenha perfeita.
Só a resenha já é "algo" complexo...
ResponderExcluirAchei bem difícil de entender o livro, já que senti que ao descrê-lo você praticamente escreveu outra obra, Manu.
Achei super bacana o contexto, o local em que a estória foi ambientada...
Sinto que o livro retrata os 100 anos de Rose e todos os aspectos da sociedade neste transcorrer...
Nunca tinha lido nada sobre este livro e não conhecia o autor.
Gostei muito.
Bjs
Gostei bastante da historia: de ter os dois pontos de vista e por se passar da década de 20 (adoro ler romances que falam dessa época)
ResponderExcluirEu não conhecia o autor, mas dever ser muito bom mesmo, fazer uma trama boa e com personagens bons.
Beijos
Achei a capa linda mas não me interessei pelo livro, sua resenha realmente foi boa mas a estória não me atraiu.
ResponderExcluirAgradeço todos os comentários feitos.
ResponderExcluirO livro é um drama, algo mais introspectivo em muitos momentos. Mas tem boa dose de mistério até o final, que é surpreendente.
Oie :)
ResponderExcluirAmeiii a resenha!!!! Ficou muito boa, Parabéns!!!!
Mas a história do livro não me chamou a atenção.
Acho que não lerei.
Beijos
Nossa, estou sem palavras para descrever esse livro e a resenha. Acho que a palavra ideal para descrevê-la seria: impressionante.
ResponderExcluirTambém não gosto muito de livros que o personagem principal tenha uma idade avançada, mas só de ler os quotes e do jeito que você gostou da história, também fiquei com gostinho de saber mais sobre a Roseanne.
A Manu sempre coloca muita emoção nas resenhas que escreve e mesmo que o livro nos seja desconhecido, bate aquela vontade de ler e saber o que se esconde naquelas páginas. É a primeira resenha que leio sobre Os Arquivos Secretos e confesso que não sabia muito o que esperar da história. Bem, achei muito interessante, um tema que instiga e realmente salta aos olhos o fato de ter protagonistas com mais idade. A vontade de ler ficou, Manu e jamais poderia culpá-la por esse tipo de excesso e mais: espero que muitos mais livros causem esse tipo de impressão em você e que você venha aqui transmiti-las a nós.
ResponderExcluirManu, o livro deve ser incrível, não apenas pela história instigante, mas, principalmente pelas emoções que desperta - tão bem explícitas em sua resenha!
ResponderExcluirE você não está sozinha: também tapo com as mãos alguns trechos para evitar de ler algo indevido e adiantar uma surpresa. Quem falou que sempre conseguimos nos controlar, não é mesmo?
Resenha incrível :)
Beijão!
Também sofro desse mal.
ResponderExcluirAssim que termino o livro e vou resenhá-lo, tenho uma séria dificuldade em colocar no "papel" tudo aquilo que é necessário.
Esse livro me pareceu digno de aplausos, fiquei sedenta para lê-lo.
Achei bem interessante o enredo do livro.Profundo e reflexivo, ao meu ver. Apesar de gostar de livros assim, tocantes, não me interessei muito por este.
ResponderExcluirTalvez por estar lendo mais livros policiais ultimamente, onde as emoções e sentimentalismo ficam em segundo plano e eu não querer sair dessa zona pra me sentir fragilizada ao ler algo tocante.
Uau! Ficou uma resenha e tanta Manu, não quer me dar algumas dicas? Estou aceitando rsrs
ResponderExcluirMas enfim, o livro me lembrou Hoje Eu Sou Alice, uma leitura fantástica por sinal. Porém, mesmo que apresente bons elementos e pensamentos, livros assim me deixam terrivelmente depressiva e pensativa até demais e também muito emotiva.
São poucas essas leituras que nos alimenta a alma, hein, Manu!!! Adorei sua resena, apesar de não ser fã de livros com essa pegada mais dramática. Acho que deve ser um livro para se ler aos poucos, pois deve ser cheio de reflexões interessantes.
ResponderExcluir@_Dom_Dom