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18.8.14

A Primeira História do Mundo [Alberto Mussa]

A-Primeira-História-do-Mundo-Alberto-Mussa
Ed. Record, 2014 - 238 páginas:
      O romance baseia-se em parte da documentação de um caso real: o primeiro registro formal de um assassinato no Rio de Janeiro, de 1567, crime passional, história de adultério, que enredou, entre acusados e testemunhas, espantosos 15% da população da cidade (que não passava de 400). Uma deliciosa trama policial, em que os mitos fundadores do Brasil, sobretudo os indígenas, associados à própria tradição do gênero literário policial, serão fundamentais para a solução do caso. “A Primeira História do Mundo” é o novo livro do mais original e criativo ficcionista brasileiro. 

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Assassinato num país em formação

Nós, ávidos leitores, estamos sempre em busca de uma outra realidade, fora de nosso cotidiano, algo fantástico ou histórico ou ambos. Algo que nos impulsione, que nos faça sair do chão, que nos acalente ou nos ensine. Por isso lemos.

Então quando nos deparamos com um livro cheio de personagens históricos e com uma pitadinha de folclore, deixamos nos levar pelas mãos ou pelo estômago. Foi assim com A primeira história do mundo (Record, 238 páginas), que mescla um crime, lendas regionais e um romance histórico de formação da nação brasileira. Alberto Mussa foi muito feliz na escolha do tema, apetitoso por si só, vai trabalhando seu lado detetivesco no intuito de trazer à tona o primeiro registro formal de um crime ocorrido no Rio de Janeiro de, pasmem, 1567. Em meio a sesmarias, feitorias, almotaçarias, alcaide-mor, morgadio, nomes extravagantes e estranhos ao nosso tempo, mamelucos, Mem de Sá, Martin Afonso de Sousa e toda a casa de el-rei se dá a fatalidade.

“Francisco da Costa, serralheiro, casado na cidade com Jerônima Rodrigues, é a vítima. Seu corpo foi encontrado pelo mameluco Simão Berquó, numa manhã de sábado, a algumas braças da Casa de Pedra. Tinha sete flechas cravadas nas costas; e um ferimento na altura dos rins que pareceu corresponder a uma oitava flechada.”

Este evento abalou e envolveu toda a cidade, sendo que 15% da população estariam entre suspeitos, acusados e testemunhas. É um dado relevante, absurdo matematicamente falando. Seria o mesmo que falar que estariam envolvidos direta ou indiretamente no crime, aproximadamente 948.000 indivíduos nos dias atuais. Dá pra imaginar?

“Embora sejam personagens bem distintas, embora ocupem posições diversas da hierarquia social, paira sobre eles uma sombria coincidência: os dez acusados, todos eles, sem exceção, tinham alguma relação com a mulher da vítima — direta, presumida, teórica, potencial, consequente ou fictícia... O segredo, portanto, está nessa mulher.”

Os suspeitos ganharam um capítulo à parte cada um que explicará em grande parte o porquê de se tornarem suspeitos e também suas características mais sombrias. Seria então um crime passional?

“Foram rumores desse tipo que criaram o mito de Jerônima Rodrigues. É uma constante, aliás, na história das civilizações, esse fascínio pelas mulheres permissivas, dissolutas, depravadas, essas fêmeas com quem se pode fazer de tudo. E, no Rio de Janeiro, havia ainda a agravante de ser Jerônima meio índia — tendo as índias fama de insaciáveis, sexualmente, quando não prostituíveis, pela menor das ninharias.”

Adicione a isso as lendas mais diversas, como tempero especial, e um componente quente da época, o “choque de culturas” e é só acender o pavio:

“Os cristãos nunca entenderam essa verdade simples: que — para um tupi — matar e comer um inimigo era, antes de tudo, um ato de suprema piedade.”

Sim, nosso índio, declamado nos versos de I-Juca Pirama de Gonçalves Dias tinha por hábito e costume o canibalismo. O inimigo capturado, normalmente de uma tribo inimiga, eventualmente um homem branco (o mercenário alemão Hans Staden foi um dos poucos sobreviventes que retornou pra contar a história), vivia como membro da família e ganhava uma mulher, tornando-se um cunhado, antes de ser morto e devorado. Inconcebível para os jesuítas:

“... Sempre que os padres tentavam libertar um prisioneiro, era este normalmente quem primeiro rejeitava o favor, preferindo morrer e ser devorado. Com isso, diziam atingir a terra-sem-mal: ybymarãeýma, literalmente a “terra sem guerra”, onde não há morte, nem trabalho, as mulheres não envelhecem e os pais podem dar as filhas a quem bem entenderem. Ou seja, na terra-sem-mal também não há incesto. Isso é que os jesuítas não conseguiam compreender, porque também estavam arraigados às suas próprias superstições: no mito cristão, a condição humana e mortal surge com a eclosão da sexualidade (e consequentemente do pudor), antes oculta no fruto proibido. No pensamento tupi, ocorre quase o inverso: humanidade e mortalidade existem num mundo imperfeito, que reprime a liberdade sexual com a noção de incesto.”

Mas é claro, existiam outras tribos, extremamente primitivas, entre elas a mais hostil — goitacás. Se os tupis já eram primitivos, imaginem outros mais primitivos ainda:

“Eram, conforme todos os relatos, gentios crudelíssimos, bárbaros e primitivos, que não erguiam casas, não faziam roças, dormiam pelo chão e comiam carne humana — não por vingança, mas para o próprio sustento.”

O autor esmiúça a vida da época, contextualiza, pois a linguagem da época era de difícil compreensão e mergulha no processo para nos colocar em meio à cena do crime:

“Lemos no corpo do processo que, na época do sumiço de Jerônima Rodrigues, Francisco da Costa atribui a Gonçalo Preto a culpa do incidente. Não o acusou de sequestro, como fez com outros. Disse que o cirurgião teria dado à mulher um chá do mato, com a intenção de seduzi-la; e que aquilo a fez ter visagens, perder o siso e confundir o rumo.”

Por que os índios não foram nem cogitados como potenciais assassinos? Onde estaria a oitava flecha (havia apenas o ferimento por onde ela entrara)? Quais os motivos de cada um dos acusados?

Mais que um livro policial, é um romance histórico. Tomamos ciência do quão rude poderia ser a vida dos que por aqui permaneceram e desbravaram corajosamente nossa selva. Explorando, buscando espaço, visibilidade, nobreza, riqueza:

“Poetas de Portugal enalteceram muito os navegantes, os barões assinalados que cruzaram mares e descobriram mundos. Melquior Ximenes deve ter percebido, como outros bandeirantes, que o verdadeiro heroísmo não era apenas navegar — mas permanecer.”

Este é um livro para os amantes da história de gestação de nosso país ou daqueles que se divertiram e ainda se divertem com Agatha Christie ou Conan Doyle. Não esperem por muitas aventuras, nem por uma narrativa cheia de ganchos, pois este não é assim. É mais um caderno de viagem, em que se vai fotografando o ambiente e pincelando com cores, julgamentos e opiniões.


Cortesia da Editora Record

Ciumento por natureza, descobri-me por amor aos livros, então os tenho em alta conta. Revelam aquilo que está soterrado em meu subconsciente e por isso o escorpiano em mim vive em constante penitência, sem jamais se dar por vencido. Culpa dos livros!

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16 comentários em "A Primeira História do Mundo [Alberto Mussa]"

  1. Muito legal, Rodolfo! Imagino que seria atraída pelo contexto histórico da narrativa, apimentada pelo crime como isca para falar de situações inusitadas numa época onde tudo que havia era a necessidade de desbravamento - do lugar, das pessoas, das dificuldades. Esses ingredientes são mais que suficientes para me deixar curiosa e sedenta por informações.
    Bela resenha, rica, instigante! Não me interessei antes pelo livro, mas agora já está nos desejados.

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  2. Normalmente fujo de livros que envolvem a história do nosso país, seja de forma fictícia ou realista. Não por não gostar do assunto, mas por achar entediante e não curtir a maioria das abordagens.
    Por isso achei a proposta de "A primeira história do mundo" tão curiosa. Acho que essa mistura de mistério com vários elementos culturais e folclóricos deu certo, ficou intrigante e inusitada na medida certa.
    Se um dia tiver a oportunidade de ler, com certeza o farei.
    bjs

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  3. Realmente é bastante interessante a proposta do livro, são elementos que não costumamos ver juntos, e apesar de não gostar de livros sobre a história nacional, o mistério e a investigação sempre me conquistam. Parabéns pela resenha!

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  4. Adorei a resenha, Rodolfo. Primeiro pela história em si, segundo pelo fato dela ser real. Ainda me senti atraída por ser considerada a primeira no mundo, fiquei com vontade de ler.
    Adorei.

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  5. Gostei da resenha, o livro parece interessante, embora não seja o tipo de história que gosto de ler, mas quem sabe, futuramente, entre na minha lista de leitura.

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  6. E não é que achei esse livro interessante, Rodolfo!!! Adorei essa mistura de romance histórico, com policial e folclore. E o que falar desse número absurdo de 15% dos envolvidos no crime?!?!
    Acho que o autor foi genial ao conseguir dar liga nessa mistura. Enfim, você acabou me deixando bem curioso pra lê-lo.

    @_Dom_Dom

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  7. Oi Rodolfo,
    Mesmo sendo apaixonada pelos livros da Rainha do Crime, eu não consegui sentir algo que me dê aquela vontade incontrolável de ler esse livro, não gostei do choque cultural eu acho haha.
    Beijocas ^^

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  8. Eu fiquei com bastante curiosa apesar de não ser da minha zona de conforto na minha vida literária. Essa mistura que o autor fez é bastante curiosa. Ainda não li nenhum livro histórico assim, que tenha índios muito menos. E por isso fiquei com uma vontade imensa. No entanto, gosto de livros com aqueles ganchos e aventuras. Que você já avisou que não tem :(
    Mas se eu tiver oportunidade ainda sim lerei. O bom é que não esperarei essas características citadas anteriormente.

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  9. Rodolfo,
    Pelo que percebi, o livro é muito mais uma dissecação da sociedade em 1567 (sim, estou pasma) que um thriller em si.
    O conteúdo folclórico e cultural me parece absurdamente rico. Sinceramente eu nunca parei para imaginar como viviam à época! Agora você me despertou para essa realidade. Chega a parecer um mundo completamente diferente, irreal eu diria.
    O Autor foi genial em sua proposta mesclando crime e investigação com fatos históricos, inserindo-os sorrateiramente em nosso conhecimento, rs Inteligente!
    Beijos
    Chrys Audi
    Blog Todas as coisas do meu mundo

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  10. O livro parece ter tudo que eu mais aprecio em uma boa história. Fatos sobre a época do Brasil colônia, thriller policial e personagens históricos.
    Definitivamente é um livro que já entrou para minha lista de desejados.
    Parabéns pela resenha, Rodolfo! Suas dicas de leitura são sempre muito bem-vindas.

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  11. Não daria maior importância ao livro se não fosse sua resenha, Rodolfo. E digo mais: acho até que passaria batido para mim.
    Quanta coisa não conhecemos desse nosso país imenso, continental! Esse choque de culturas é muito interessante de se ver, até porque "pecado" é um assunto tão relativo e o "certo" e "errado" dependem de tantas variáveis, de aspectos culturais mesmo.
    Acho que além do mistério, do clima de romance policial, todas essas informações histórias são extremamente válidas.
    Parabéns por mais essa bela indicação!

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  12. Não sou muito de ler esses livros com uma visão mais histórica. Não é que não goste, mas são tantos livros sendo lançados que não dou conta de ler tudo que gostaria. Com isso, muitos livros que valem a pena acabam passando. Esse com certeza seria um desses antes de eu ler sua resenha. Acho muito valido darmos vez a esse tipo de leitura que nem sempre é valorizada.

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  13. Não gosto de livros históricos, mas confesso que sua resenha me envolveu! Quem sabe futuramente eu mude de idéia e leio esse livro e assim conhecer melhor a história desse nosso país tão imenso em cultura quanto em tamanho!

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  14. Oie...
    Ainda não tive a oportunidade de ler muitos livros históricos, mas gostei bastante da premissa do livro e espero poder ler em breve. Embora não goste muito de história, acho que seria uma leitura bem interessante e diferente de tudo que já li até agora!

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  15. Oieee
    O enredo é muito bem feito mas a história não me atraiu tanto assim.Não gosto muito de folclore,lendas e nem esse tipo de fato histórico,sou pouquíssima ligada a história do nosso país.Comigo a leitura não iria pra frente e eu ficaria empacada nas primeiras páginas,mas pra quem é fã de coisas assim é um ótimo livro.Parabéns ao autor.

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  16. Lendo a resenha e a sinopse lembrei da minha época do colégio em que eu era "obrigada" a estudar nossa história e ler nossos livros de literatura e simplesmente odiava, hehe.
    Eu, naqueles tempos, passaria longe de um livro assim...
    Achei mega interessante contar um pouco da gênese da nossa história...
    Gosto de romances históricos e folclóricos. E amooo uma investigação.
    Fiquei muito curiosa para saber quem é o assassino(a).
    Parabéns pela resenha!

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