Ed. Caligo, 2014 - 116 páginas: |
Romance de estreia de Fernando de Abreu Barreto, A FORMA DA SOMBRA carrega todas as características que são marcantes no autor: o texto direto e cru, o controle da tensão e a criação de personagens sólidos e profundos. Thriller ágil, que envolve o leitor nas primeiras páginas, o livro rompe a barreira do gênero e se insere entre os títulos de alta literatura brasileira, arrancando elogios de autores contemporâneos consagrados, como Carola Saavedra.
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Quem ou o que sou eu?
Escolhemos o livro ou o livro é que nos escolhe? Com A forma da Sombra (Caligo, 116 páginas) não aconteceu nem uma coisa, nem outra. Fui mais uma vez agraciado com um presente da amiga Bia Machado. Fiquei matutando sobre o título, sobre a forma como o texto se encadeava, sobre a sombra que o texto produzia em minha mente já delirante, faminta por cada detalhe.
Capítulos curtos em primeira pessoa são, geralmente, de difícil digestão, mas não é este o caso. O autor Fernando de Abreu Barreto (guardem bem este nome) consegue imprimir ritmo e tensão constantes. Não trata o leitor como um indigente literário. Corre riscos. Tem talento de sobra para isto:
“Entre as estações acontecem muitas coisas, há mais vida na escuridão do que na luz. Ali sou verdadeiro, como à noite. Nos túneis soa uma música que não é cantada, ou tocada, é atrito de aço e aço que termina em música...”
Este texto fica gravado atrás das retinas, como quando olhamos de relance para o sol, fechamos os olhos e lá está ele, sua forma negativa, um flash de máquina fotográfica, o farol alto do automóvel em sentido contrário. A forma impressa lá, fantasmagórica:
“E compreendi que não preciso mais de comida. É a vida daquele lugar que me satisfaz. O que fica para trás impresso no ar em alta velocidade, despojo das almas que transitam por ali sem perceber que deixam solta uma parte do que foram, o que somente eu consigo enxergar.”
O narrador não gosta de sol, vive no escuro, trabalha nos túneis da Estação. Lá é seu habitat, lá ele é dono e senhor das sombras e de si mesmo. Quer saber quem é, qual sua natureza. Vai se dando conta ou perdendo completamente a razão, não há como saber. Suas confissões alternam passado e presente. A escrita beira o clássico, consigo perceber cada pensamento, com requintes góticos, de sua luta pela sobrevivência. Isso serviria de justificativa para seus atos?
“Nada é como foi, ou nada era o que parecia, o que não tem importância. É provável que eu não compreenda o sentido da minha existência, que jamais descubra o que sou. Mesmo assim, como para o macaco, o jabuti e o homem, para mim o que importa é sobreviver e eu estou aprendendo.”
Não há como rotulá-lo, ele é um ser único, um predador. Vai deixando sua marca rubra, maculando o território por onde passa:
“Procuro um tatuador indicado por um de meus novos amigos de trabalho e peço que escreva, em arco, no meu peito a frase che tan tan ajucá atupavé, um antigo desagravo indígena que pode ser traduzido como sou forte, matei e comi todos. Começo a sentir orgulho, porque é assim que tem que ser...”
É muito difícil simpatizarmos ou mesmo respeitarmos aquilo que é diferente, aquilo que nos causa estranheza. Conviver então é impossível. Não nos damos a chance de compreendê-lo:
“... Penso em sair da cidade, mudar para algum lugar onde as pessoas não precisem compartilhar suas vidas, ou a vida alheia. Um lugar onde o sol suma por meses e cada um cumpra uma função independente. Onde as particularidades sejam respeitadas e nada seja tratado como estranho, ou diferente, porque tudo e todos são diferentes. Onde a diferença seja o ponto de igualdade. Esse lugar, nunca encontrei.”
O narrador se compara a uma lista enorme de espécies de hábitos nortunos, achei incrível, prova de que tenta se reconhecer como parte de alguma classificação taxonômica qualquer. Procura incessantemente seu lugar no mundo. Seria ele de uma nova espécie ou apenas um lunático?
“Soube, pela primeira vez, que ninguém entenderia minhas motivações. Nenhum homem aceitaria a existência de um animal cujo impulso é devorá-lo sem atribuir a ele o rótulo de besta que deve ser abatida.”
É um romance, ou melhor, uma novela, com um núcleo pequeno, mas enormes questionamentos. Um livro que suscita mais perguntas que respostas, porque elas estão em nós mesmos, cada leitor torna-se obrigatoriamente um coautor.
A editora Caligo tem se mostrado a menina de meus olhos. Surpreendente, inquietante! Um oásis em meio a tanta mesmice que vem de fora. Se querem diversão, não haverá problemas, vocês podem achar uma leitura descartável inclusive em gôndolas de supermercados. Agora, se querem algo realmente desafiador, esta leitura é imprescindível. Altamente recomendável!
Escolhemos o livro ou o livro é que nos escolhe? Com A forma da Sombra (Caligo, 116 páginas) não aconteceu nem uma coisa, nem outra. Fui mais uma vez agraciado com um presente da amiga Bia Machado. Fiquei matutando sobre o título, sobre a forma como o texto se encadeava, sobre a sombra que o texto produzia em minha mente já delirante, faminta por cada detalhe.
Capítulos curtos em primeira pessoa são, geralmente, de difícil digestão, mas não é este o caso. O autor Fernando de Abreu Barreto (guardem bem este nome) consegue imprimir ritmo e tensão constantes. Não trata o leitor como um indigente literário. Corre riscos. Tem talento de sobra para isto:
“Entre as estações acontecem muitas coisas, há mais vida na escuridão do que na luz. Ali sou verdadeiro, como à noite. Nos túneis soa uma música que não é cantada, ou tocada, é atrito de aço e aço que termina em música...”
Este texto fica gravado atrás das retinas, como quando olhamos de relance para o sol, fechamos os olhos e lá está ele, sua forma negativa, um flash de máquina fotográfica, o farol alto do automóvel em sentido contrário. A forma impressa lá, fantasmagórica:
“E compreendi que não preciso mais de comida. É a vida daquele lugar que me satisfaz. O que fica para trás impresso no ar em alta velocidade, despojo das almas que transitam por ali sem perceber que deixam solta uma parte do que foram, o que somente eu consigo enxergar.”
O narrador não gosta de sol, vive no escuro, trabalha nos túneis da Estação. Lá é seu habitat, lá ele é dono e senhor das sombras e de si mesmo. Quer saber quem é, qual sua natureza. Vai se dando conta ou perdendo completamente a razão, não há como saber. Suas confissões alternam passado e presente. A escrita beira o clássico, consigo perceber cada pensamento, com requintes góticos, de sua luta pela sobrevivência. Isso serviria de justificativa para seus atos?
“Nada é como foi, ou nada era o que parecia, o que não tem importância. É provável que eu não compreenda o sentido da minha existência, que jamais descubra o que sou. Mesmo assim, como para o macaco, o jabuti e o homem, para mim o que importa é sobreviver e eu estou aprendendo.”
Não há como rotulá-lo, ele é um ser único, um predador. Vai deixando sua marca rubra, maculando o território por onde passa:
“Procuro um tatuador indicado por um de meus novos amigos de trabalho e peço que escreva, em arco, no meu peito a frase che tan tan ajucá atupavé, um antigo desagravo indígena que pode ser traduzido como sou forte, matei e comi todos. Começo a sentir orgulho, porque é assim que tem que ser...”
É muito difícil simpatizarmos ou mesmo respeitarmos aquilo que é diferente, aquilo que nos causa estranheza. Conviver então é impossível. Não nos damos a chance de compreendê-lo:
“... Penso em sair da cidade, mudar para algum lugar onde as pessoas não precisem compartilhar suas vidas, ou a vida alheia. Um lugar onde o sol suma por meses e cada um cumpra uma função independente. Onde as particularidades sejam respeitadas e nada seja tratado como estranho, ou diferente, porque tudo e todos são diferentes. Onde a diferença seja o ponto de igualdade. Esse lugar, nunca encontrei.”
O narrador se compara a uma lista enorme de espécies de hábitos nortunos, achei incrível, prova de que tenta se reconhecer como parte de alguma classificação taxonômica qualquer. Procura incessantemente seu lugar no mundo. Seria ele de uma nova espécie ou apenas um lunático?
“Soube, pela primeira vez, que ninguém entenderia minhas motivações. Nenhum homem aceitaria a existência de um animal cujo impulso é devorá-lo sem atribuir a ele o rótulo de besta que deve ser abatida.”
É um romance, ou melhor, uma novela, com um núcleo pequeno, mas enormes questionamentos. Um livro que suscita mais perguntas que respostas, porque elas estão em nós mesmos, cada leitor torna-se obrigatoriamente um coautor.
A editora Caligo tem se mostrado a menina de meus olhos. Surpreendente, inquietante! Um oásis em meio a tanta mesmice que vem de fora. Se querem diversão, não haverá problemas, vocês podem achar uma leitura descartável inclusive em gôndolas de supermercados. Agora, se querem algo realmente desafiador, esta leitura é imprescindível. Altamente recomendável!
Rodolfo Luiz Euflauzino
Ciumento por natureza, descobri-me por amor aos livros, então os tenho em alta conta. Revelam aquilo que está soterrado em meu subconsciente e por isso o escorpiano em mim vive em constante penitência, sem jamais se dar por vencido. Culpa dos livros!
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Não conhecia o autor e muito menos esse livro, mas sua resenha consegue conquistar qualquer um fã de livros do gênero e quem sabe, até aqueles que não o curtem tanto assim.
ResponderExcluirPara um livro relativamente curto, não esperava um enredo com tamanhos questionamentos ou profundidade. Apenas pelos trechos que destacou me sinto curiosa para mergulhar nas páginas e não emergir até que seus mistérios sejam revelados - ou mais perguntas surjam.
O narrador aparenta ser um personagem que nos intriga e responsável por todos os questionamentos que aparecem ao longo da leitura.
Sua resenha está ótima e garantiu o lugar de A Forma da Sombra na minha lista de futuras leituras.
Abraços
Oi!
ResponderExcluirQuando comecei a ler essa resenha não achei que iria gostar tanto desse livro mas a historia me conquistou, fiquei muito curiosa, achei a historia diferente e bem criativa e mesmo sendo algo curto parece que o autor consegue passar muito em poucos paginas !!
Se eu visse esse livro a venda, dificilmente iria compra-lo. Porém você acaba de mudar isso. Fiquei muito curiosa sobre o desenrolar da estória e também sobre o personagem. Não tinha ouvido falar ainda dessa editora, mas com a sua dica eu ficarei de olho agora.
ResponderExcluirParabéns por essa excelente resenha.
Bjs.
Realmente concordo com a Patricia, que olhando o livro pela capa toda escura dificilmente me chamaria a atenção, mas sua resenha me despertou curiosidade e medo rs....acho que o personagem nao deve ser humano, deve ser um monstro que tira a vida das pessoas e não entende porque é assim. Deve ser legal ler livros com capitulos curtos e realmente fiquei curiosa sobre o personagem tão perturbador e misterioso. Parabens pela resenha Rodolfo, como sempre nos apresentando escritores novos e brasileiros, nos mostrando que nao é so o que é estrangeiro que é bom, que tem escritores ótimos aqui no Brasil e que podem nos presentear com livros surpreendentes.
ResponderExcluirRodolfo!
ResponderExcluirQue ser espectro esse que vive na noite e se torna noctívago?
Gosto da noite também e de certa forma até me identifiquei com a tal criatura, embora minha índole não seja má...
Quantos questionamentos encontraremos no livro através do comportamento do ser noturno?
Fiquei foi curiosa, viu?
Adorei!
“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.”(Vinicius de Moraes)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
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Rodolfo querido, concordo plenamente com o que escreveu aí, seja sobre a história, o autor ou a Caligo.
ResponderExcluirA escrita do autor me chamou a atenção de forma gratificante, como você mesmo disse, narração em primeira pessoa nem sempre cai bem mas aqui, não foi o caso e, além disso, a escrita dele tem um diferencial, é feita de outros moldes que o normalmente utilizado pelos autores nacionais contemporâneos, se é que me faço entender.
E o que mais me tocou foi a solidão implícita do personagem. Eu não queria que o livro tivesse um final diferente, na verdade torci por isso.
Amei esse livro. Parece-me que o Fernando A. B, nasceu sabendo escrever.
bj da angel ;)
Rodolfo, meu amigo, quem ou o que é essa criatura? Medo, curiosidade, desconfiança, sua resenha me trouxe sensações que desafiam minha (pouca) coragem. Bem, fiquei até um tanto tranquila porque, definitivamente, não sou uma criatura da noite. Não vou topar com esse narrador (cruz credo). Adoro luz e calor, o movimento das ruas e saber exatamente onde piso... rs. E o que leio? Aí já me permito uns sustos, coisa pouca, você bem sabe, mas já é um risco.
ResponderExcluirA certa altura fiquei pensando em como tb necessitamos saber onde nos encaixamos, algumas vezes até duvidamos dos nossos pensamentos e sanidade, hahaha, não estamos tão distantes assim da figura em questão...
Medo dessa "marca rubra" por onde passa...
Dessa vez você foi enigmático, imprimiu o clima denso do livro às suas palavras, jogou com o leitor, apostou alto, chamou pro duelo, pro vamos ver... Sim, você pediu para anotar o nome do autor e assim eu faço, preciso descobrir quem ou o que é essa coisa. O pior inimigo é aquele que desconhecemos...
Beijo.
Não conhecia o autor, nem o livro, mas depois da sua resenha super positiva não teve como eu não ter ficado curiosa em relação a história, que parece ser bem envolvente, sua resenha está muito boa e como fiquei bem curiosa em relação ao livro, pretendo ler.
ResponderExcluirNão conhecia o autor nem esse livro. Gosto muito de thrillers e só de ler a sinopse já fiquei muito curiosa para ler o livro. Parece ser um livro bem diferente, pelo protagonista e por todas essas questões que o livro levanta, já que muitas vezes também já nos questionamos sobre essas coisas. Parece ser um livro ótimo.
ResponderExcluirUau!!
ResponderExcluirParece que é coisa boa hein Rodolfo!!
O tipo de leitura que eu amo!!
Parece que temos um serial killer aí e dos bons!!
Onde consigo o livro!
Sua resenha me deixou curioso!
Abração!
Obrigada, Rodolfo, mais uma vez, por ter gostado do livro! Realmente, o Fernando tem uma jornada maravilhosa pela frente, e o melhor: ele merece, é um escritor dedicado e muito apaixonado por esse mundo da literatura, da escrita... Bjs! ;)
ResponderExcluirNão conhecia e fiquei bem feliz em poder conhecer. Gostei muito da resenha e da temática do livro.
ResponderExcluirEspero ter a chance de ler e espero gostar.
Oie.
ResponderExcluirNão conhecia a obra e nem sei se vou querer ler. Sua resenha é super interessante, mas ainda assim não me sentir a vontade com a obra
Beijos
http://www.amorliterariooriginal.blogspot.com.br
Oi
ResponderExcluirNão conhecia o livro e nem a editora,
que bom que curtiu a leitura e parece ser um livro cheio de mistérios
do jeito que eu gosto.
momentocrivelli.blogspot.com.br
Eu digiro melhor quando os capítulos são curtos. Prefiro...
ResponderExcluirFiquei angustiada pelos hábitos do protagonista, depois de tantos dias cinzas na minha cidade amo o sol mais que nunca...
Quando penso em escuridão penso em frio e umidade e minha pele coça...
De qualquer forma adorei a premissa e quero ler.
Oi Rodolfo, tudo bem?
ResponderExcluirSua resenha está terrivelmente inquietante. Pelo que li da sinopse aliada a sua visão do livro, acho que podemos esperar muito suspense, mistérios e um pouco de terror psicológico desta história.
Para os amantes do gênero com certeza será uma ótima pedida.
Abraço.
Lia Christo
www.docesletras.com.br
Rodolfo, fico feliz que tenha gostado. Cada vez que encontro um leitor que mergulhou nesses túneis com tamanha profundidade fico certo de que trilhei o rumo que escolhi.
ResponderExcluirAmigo, só esse título do livro já me dá vontade de ler. Agora que li sua resenha, vi que deve ser muito bom. Apesar de preferir as leituras de entretenimento, acho que não faz mal, às vezes, me jogar em uma leitura inquietante como essa. Principalmente por saber que o livro é curtinho. Então tenho certeza que o ritmo da narrativa deve ser legal.
ResponderExcluir@_Dom_Dom