Engenharia Reversa
Parte XIX - A Mãe da Destruição
O fluxo de dados é incessante, a grande máquina, fixada no teto do laboratório, trabalha incansavelmente bombeando as centenas de milhares de petabytes a partir do núcleo biodigital do cérebro de Bel para as cabeças dos escolhidos, onde, no interior de cada uma, as pequenas esferas metálicas começam a transformar os corpos já sem vida dos jovens selecionados, criando uma nova geração de ciborgues.
Coordenando todo o processo, o enlouquecido Zardor parece não acreditar no progresso que aumenta exponencialmente. O código-fonte primal de Bel é copiado, recompilado e convertido em DNA digital, tudo diante de seus olhos, tudo de acordo com seus planos mais ambiciosos. Sabrina e Isaías estão igualmente impressionados, acompanhando o processo através de consoles arcaicos, os olhos vidrados em números que dançam frenéticos nas telas de raios catódicos.
- Como está a Mãe? Ela está inconsciente? - Questiona Zardor, despreocupado.
Sabrina desliza suas pequenas mãos por um teclado rudimentar, preso ao console que ela opera, então pressiona um botão e as informações na tela mudam, exibindo dados relativos ao estado fisiológico de Bel. Ela analisa as informações por alguns segundos, e logo um pequeno sorriso se forma em seus lábios.
- Está tudo dentro do esperado, vovô, ela tá inconsciente, como o senhor falou! O chá funcionou, funcionou!
- Viu, pequena flor? A Mãe não vai sofrer! Eu te disse!
- Mas ela não pode sofrer, Zardor, porque se isso acontecer, os escolhidos vão nascer em ira. - Diz Isaías, resoluto e em alto tom.
- Sim, isso é óbvio! Acha que eu não sei disso? Fui eu que descobri as escrituras sagradas! Agora, de volta aos monitores, ainda temos mais uma hora para concluir o processo.
O guerreiro e a menina concordam, rapidamente retornando ao trabalho. Zardor, utilizando o estranho capacete bulboso, volta sua atenção para os corpos dos escolhidos, dentro dos quais, filamentos de metal líquido se espalham pelos órgãos vitais, artérias e esqueletos. De dentro dos filamentos, centenas de milhares de nanorobôs escapam para tomarem posse das estruturas celulares, fazendo com que, apesar de mortos, os órgãos continuem funcionando enquanto seus donos começam a se transformar em algo completamente novo. Então, de súbito, uma voz feminina invade a mente de Zardor.
"Doutor Gaines, por que o senhor está fazendo isso comigo?"
"Bel?! Não pode ser! Não! Você deveria estar inconsciente!" - responde mentalmente o velho, surpreendido.
"Seus equipamentos estão ultrapassados, doutor. E você... Você está me matando! "
Um calafrio percorre o corpo do velho Zardor, porém, ele se força a continuar inabalável.
"Você não entende? Estamos fazendo história aqui! Uma nova espécie está nascendo, a continuação da evolução de Alfa Um! Não consegue ver, Bel? Eles são seus filhos, nossos filhos! Eles vão livrar o mundo do câncer que o está corroendo! Você deveria se sentir honrada!"
Porém, tudo que Bel sente é dor. Uma dor estranha e avassaladora, sufocante e cruel, pois se prolonga sem ao menos fazê-la desmaiar, sem ao menos matá-la de uma vez por todas. Agora ela está conectada aos vinte escolhidos, e o penoso processo de transformação de seus corpos é sentido plenamente por Bel, aflição multiplicada por vinte.
Mas ela também está conectada com a mente de Zardor, e, sem que o velho desconfie, esquadrinha cada memória subsconsciente dele, compreendendo a fundo a mente do cientista enlouquecido, descobrindo, enfim, sua única motivação: a vingança.
O plano do homem fica claro como água para ela: criar uma nova raça de biocomputadores, providos de corpos cibernéticos e inteligência fora do comum, a qual ele chama de "Geração Beta", e então utilizá-los como um exército para destruir as mega-corporações e qualquer coisa que se coloque em seu caminho; Zardor não pouparia ninguém. "Super-soldados", que levarão o mundo para uma nova era de guerras e violência, super-soldados que estão nascendo a partir dela! Usando seu código biodigital. "Agora entendo, agora sei o que ele planejou para mim... Meu Deus, ele está me transformando na 'Mãe da Destruição!' ", era esse o termo que ela havia lido na mente do homem. Então, tomada pela raiva, Bel começa a focar toda a energia que ainda consegue reunir, parando de lutar contra a dor e tentando utilizá-la a seu favor.
"Você enganou todos eles! Gaines! Você os forçou a darem suas vidas pela sua causa, que de justa não tem nada! Eu vi sua mente, eu sei as atrocidades que você está planejando, e não vou deixar você levar isso adiante, seu monstro!"
"Cale-se! Eu controlo seu núcleo biodigital, eu controlo seu fluxo de dados!" responde mentalmente Zardor, e com um comando mental, ele ergue um novo firewall ao redor da mente de Bel, porém, ao fazer isso, desvia parte da energia que está usando para modificar os corpos dos escolhidos, causando uma oscilação nas medições eletrônicas e atraindo a atenção de Sabrina e Isaías.
- Vovô! Alguma coisa está desviando a carga energética!
- Zardor, tem algo errado com o sistema de transferência de dados!
- Não é nada! Estou apenas ajustando os níveis de energia para balancear o processo - Responde rispidamente o velho. Mas Isaías o encara de maneira desconfiada.
- A temperatura corporal da Mãe está aumentando! Tá passando os padrões normais! - Diz Sabrina em alto tom.
Nesse exato instante, um som abafado e forte se faz ouvir, para em seguida, as paredes, o chão e o teto começarem a tremer. Poeira cai do teto sobre as cabeças dos ocupantes do laboratório, que, com exceção de Zardor, se lançam ao chão assustados com o barulho e o forte tremor. Aos poucos, o abalo vai diminuindo até parar completamente.
- O que foi isso? O que aconteceu? - Grita Zardor aos prantos.
- Vou verificar - Responde o guerreiro Isaías, se colocando de pé e se aproximando de seu console. Então ele digita uma série de comandos, e alguns monitores passam a exibir imagens do Templo e de vários pontos externos ao laboratório.
O choque toma de assalto os rostos de Isaías e de Sabrina, e logo as imagens são captadas pelas retinas de Zardor, que também acessa o sistema de video do Templo. Através das antigas câmeras, os três observam com um pânico crescente o pequeno grupo de invasores, vestidos com armaduras vermelhas, semelhantes a demônios, entrando em combate contra hordas de filhos e filhas de Alfa Um, que são rapidamente derrotados. Lágrimas começam a descer pelo rosto da pequena Sabrina quando ela reconhece seus amigos sendo brutalmente mortos por estranhas lâminas brilhantes, mortos pelos demônios da Babilônia, algo que ela apenas conhece de seus pesadelos mais sombrios.
Então, um ser de corpo feminino, trajado em uma armadura negra com detalhes amarelos, irrompe em meio aos assassinos e se atira contra um grupo de guerreiros que protege uma das muitas passagens que ladeiam o grande salão. A mulher derrota facilmente um por por um, rápida como uma sombra, letal como uma víbora. Atônitos, mais guerreiros de Alfa Um atacam a ciborgue ao mesmo tempo, alguns usando apenas os punhos, outros disparando rajadas de balas, contudo, a superioridade da atacante fica cada vez mais evidente, e logo os outros invasores se juntam a ela, transformando a luta em um massacre. Zardor não acredita no que seus olhos veem, e, onde antes havia empolgação, agora só resta o desespero.
- Quem são eles? Quem é essa mulher?! Por Deus, como nos encontraram? - Questiona o velho, incrédulo ao ver o avanço dos inimigos.
- Meus irmãos precisam de minha ajuda! Não posso deixar que eles morram assim! - Grita Isaías em cólera, afastando bruscamente seu console e então correndo em direção a porta.
- Não! Preciso de você aqui, idiota! Temos que acelerar o processo, os escolhidos são nossa única chance de salvação! - Protesta Zardor, em vão, pois Isaías se aproxima da grande porta e a destrava, enchendo o ar do laboratório com os gritos desesperados das pessoas que fogem pelo corredor deixando o Templo para trás.
- Sabrina! Me ajude, rápido! Temos que aumentar ao máximo a taxa de transferência!
Então, outra imagem é transmitida através do sistema video, revelando a chegada de novos invasores, um pequeno exercito, porém, forte o suficiente para enterrar de vez qualquer esperança de resistência dos Filhos de Alfa Um. Zardor reconhece suas armaduras e os símbolos que elas exibem: é a maldita UNI-Tron, a tropa de choque dos demônios corporativos.
- Sabrina!
Logo o velho percebe que sua neta também se foi. Atônito, ele volta a se concentrar no processo, trazendo para a tela de seu capacete as informações que eram monitoradas por Sabrina e Isaías; checa o estado de Bel: ela está no limite, pulsação extremamente acelerada, atividade cerebral muito além do esperado, mas a transferência de dados não atingiu nem cinquenta por cento. Então ele olha rapidamente para as imagens das câmeras externas: os invasores e a UNI-Tron estão se aproximando! Isaías também não conseguiu detê-los. "Esses filhos da puta não vão me derrotar novamente!"
Zardor aumenta o nível de energia ao máximo, a tela virtual diante de seus olhos, repleta de barras de medição, gráficos e números frenéticos, muda a tonalidade da cor de fundo, saindo de um amarelo alaranjado para um vermelho vivo, indicando perigo eminente, porém, desesperado, o velho arrisca tudo. Então, um grito perturbador invade sua mente. Na maca, Bel se contorce violentamente, as correntes que prendem seus pés e suas mãos travam seus movimentos, mas seu corpo tenta se impor, forçando a carne contra o ferro, provocando feridas na pele, machucando seus pulsos e seus tornozelos.
A coluna vertebral da executiva biocomputador brilha fortemente, emitindo uma cintilante luz azul; a grande máquina no teto, os cabos que se projetam dela para os corpos dos escolhidos, tudo começa a tremer. "Seu velho estúpido! Você realmente me libertou, mas me deu mais do que a liberdade. Agora eu posso sentir. Posso sentir o seu medo, posso sentir cada célula energética do seu CND; posso sentir as veias dos pobres jovens que você matou pulsando enquanto meus dados entram em seus cérebros. Posso sentir o terror em cada um de seus guerreiros quando eles são alvejados por tiros e cortados por lâminas; posso sentir, inclusive, cada circuito das armaduras de seus inimigos. E agora vou fazer você, todos vocês, sentirem a minha dor."
O velho estremece ao ouvir as palavras da mulher ecoando em sua mente. "Não pode ser! A menos que..."
"Sim, eles estavam me aprimorando, e eu jamais descobriria minha natureza sem você, mas quando seu bioprograma removeu as amarras mentais, eu passei a ter o controle total de novas habilidades que a VNR implantou em meu sistema, e vou usá-las para acabar com seus planos!"
O fluxo de dados, antes controlado por Zardor, se expande a níveis alarmantes, sobrecarregando os novos cérebros eletrônicos dos escolhidos. O velho tenta desesperadamente reassumir o controle do processo, em vão; vê, incrédulo, o firewall que isolava a mente de Bel se desfazer diante de seus olhos.
- Não! Não! Pare com isso, você não pode! Você deve cumprir a sua função! Mãe!
A dor começa a brotar no centro de sua cabeça, então se espalha por todo seu copo. Zardor cai de Joelhos, deixando o capacete bulboso balançando preso ao cabo. Ele rompe a conexão física, mas a presença de Bel não vai embora, a dor não cessa, pelo contrário, se torna pior a cada segundo. O velho grita.
- Como você continua dentro de mim?! Como isso é possível?!
"Não preciso mais de conexões físicas, Gaines. Acabou."
As placas eletrônicas dentro do corpo do cientista começam a se ativar. Seu antigo porém poderoso CND passa a computar centenas de bilhões de dados, superaquecendo os processadores. Desesperado, ele se arrasta para a porta. Então, uma a uma, suas placas de circuitos explodem, destroçando partes de seu corpo. Se volta para os escolhidos.
- Meus... Meus filhos!
Lágrimas percorrem o rosto castigado do doutor Gaines, então sua cabeça explode, espalhando sangue e miolos pelo chão do laboratório.
Bel perde a conexão com o homem no momento da explosão, porém, ainda consegue sentir as correntes elétricas dentro dos circuitos do cadáver, "Minha nossa...o que eu fiz? O que está acontecendo comigo?", questiona assustada. Sua pulsação continua acelerando e então sua consciência se expande abruptamente, entrando nos mecanismos eletrônicos da grande máquina, invadindo os computadores antiquados, avançando pelos cabos e pela fiação, se apoderando de tudo que é eletrônico. Arrebatada, ela sente uma estranha energia ganhando força em seu corpo, tomando cada célula biológica, dominando cada biochip em seu CND; respira ofegante, força as correntes, macerando ainda mais a carne já machucada. Então sente a presença de centenas de homens e mulheres, consegue captar a frequência de seus CND's, involuntariamente, a energia que emana de sua mente invade cada um dos dispositivos, examinando em uma velocidade absurda os dados daquelas pessoas, passando por cima das defesas mais avançadas, enganando todos os Biocrons, para então entrar em seus tecidos cerebrais, vasculhando cada pensamento, cada neurônio. Ela recebe a informação: são os policiais da UNI-Tron e alguns agentes da VNR, então se assusta ainda mais ao descobrir que alguns deles estão ali para matá-la.
Do lado de fora, no grande salão do Templo, Amanda mata o último Filho de Alfa Um que se lançou sobre ela. O corpo do guerreiro cai inerte, perfurado pela lâmina brilhante. Ela enfim respira. Após olhar cautelosa para as várias portas que se erguem à sua frente, chama seus homens pelo comunicador:
- Equipe, vamos entrar nos corredores. Formação delta, agora!
Os homens se agrupam ao lado da Rainha de Fogo, seus rifles empunhados e prontos para brandir novos disparos. Logo ela avança, seguida por sua pequena tropa. As forças da UNI-Tron começam a isolar o perímetro e a prender os poucos guerreiros de Alfa Um que se renderam, e por isso sobreviveram.
Então, de súbito, os agentes param de se mover e os oficiais da UNI-Tron estacam em suas posições, as luzes presas lá em cima na abóboda do teto piscam sem parar; todos os CND's e todos os sistema eletrônicos presentes nas armaduras começam a apresentar variações de corrente; sinais de alerta piscam nas retinas virtuais, e logo defeitos de funcionamento estalam diante dos olhos dos soldados. Pânico. As armas falham e suas partes eletrônicas entram em curto. As máquinas travam, o som da morte dos servo-motores nas pernas e nos braços das armaduras invade o Templo como uma sinfonia cacofônica.
Surpreendida e apavorada, Amanda tenta desesperadamente reestabelecer seus sistemas, então, surgindo repentinamente de dentro dos corredores, uma onda de energia cresce na direção do grande salão, explodindo pelo caminho as fiações dentro das paredes.
Segundos antes de ser atingida pela energia invisível, Amanda consegue desativar suas partes cibernéticas, deixando seu cérebro positrônico off-line. Seu corpo perde a sustentação e atinge o chão com violência, ela vê o mesmo acontecendo com seus agentes e com os outros oficiais que estão próximos, porém, diferente dela, eles não tem a mesma sorte, e seus cérebros são queimados de dentro para fora.
Gradativamente todas as luzes se apagam, e em instantes a escuridão reina absoluta. Pouco a pouco, os ruídos e lamentações começam a cessar, para finalmente o silêncio se estabelecer. A Rainha de Fogo consegue apenas ouvir sua própria respiração arquejante e, pela primeira vez em décadas, ela se vê aterrorizada, se lembra estarrecida o que é se sentir indefesa, frágil, exposta como uma presa.
Coordenando todo o processo, o enlouquecido Zardor parece não acreditar no progresso que aumenta exponencialmente. O código-fonte primal de Bel é copiado, recompilado e convertido em DNA digital, tudo diante de seus olhos, tudo de acordo com seus planos mais ambiciosos. Sabrina e Isaías estão igualmente impressionados, acompanhando o processo através de consoles arcaicos, os olhos vidrados em números que dançam frenéticos nas telas de raios catódicos.
- Como está a Mãe? Ela está inconsciente? - Questiona Zardor, despreocupado.
Sabrina desliza suas pequenas mãos por um teclado rudimentar, preso ao console que ela opera, então pressiona um botão e as informações na tela mudam, exibindo dados relativos ao estado fisiológico de Bel. Ela analisa as informações por alguns segundos, e logo um pequeno sorriso se forma em seus lábios.
- Está tudo dentro do esperado, vovô, ela tá inconsciente, como o senhor falou! O chá funcionou, funcionou!
- Viu, pequena flor? A Mãe não vai sofrer! Eu te disse!
- Mas ela não pode sofrer, Zardor, porque se isso acontecer, os escolhidos vão nascer em ira. - Diz Isaías, resoluto e em alto tom.
- Sim, isso é óbvio! Acha que eu não sei disso? Fui eu que descobri as escrituras sagradas! Agora, de volta aos monitores, ainda temos mais uma hora para concluir o processo.
O guerreiro e a menina concordam, rapidamente retornando ao trabalho. Zardor, utilizando o estranho capacete bulboso, volta sua atenção para os corpos dos escolhidos, dentro dos quais, filamentos de metal líquido se espalham pelos órgãos vitais, artérias e esqueletos. De dentro dos filamentos, centenas de milhares de nanorobôs escapam para tomarem posse das estruturas celulares, fazendo com que, apesar de mortos, os órgãos continuem funcionando enquanto seus donos começam a se transformar em algo completamente novo. Então, de súbito, uma voz feminina invade a mente de Zardor.
"Doutor Gaines, por que o senhor está fazendo isso comigo?"
"Bel?! Não pode ser! Não! Você deveria estar inconsciente!" - responde mentalmente o velho, surpreendido.
"Seus equipamentos estão ultrapassados, doutor. E você... Você está me matando! "
Um calafrio percorre o corpo do velho Zardor, porém, ele se força a continuar inabalável.
"Você não entende? Estamos fazendo história aqui! Uma nova espécie está nascendo, a continuação da evolução de Alfa Um! Não consegue ver, Bel? Eles são seus filhos, nossos filhos! Eles vão livrar o mundo do câncer que o está corroendo! Você deveria se sentir honrada!"
Porém, tudo que Bel sente é dor. Uma dor estranha e avassaladora, sufocante e cruel, pois se prolonga sem ao menos fazê-la desmaiar, sem ao menos matá-la de uma vez por todas. Agora ela está conectada aos vinte escolhidos, e o penoso processo de transformação de seus corpos é sentido plenamente por Bel, aflição multiplicada por vinte.
Mas ela também está conectada com a mente de Zardor, e, sem que o velho desconfie, esquadrinha cada memória subsconsciente dele, compreendendo a fundo a mente do cientista enlouquecido, descobrindo, enfim, sua única motivação: a vingança.
O plano do homem fica claro como água para ela: criar uma nova raça de biocomputadores, providos de corpos cibernéticos e inteligência fora do comum, a qual ele chama de "Geração Beta", e então utilizá-los como um exército para destruir as mega-corporações e qualquer coisa que se coloque em seu caminho; Zardor não pouparia ninguém. "Super-soldados", que levarão o mundo para uma nova era de guerras e violência, super-soldados que estão nascendo a partir dela! Usando seu código biodigital. "Agora entendo, agora sei o que ele planejou para mim... Meu Deus, ele está me transformando na 'Mãe da Destruição!' ", era esse o termo que ela havia lido na mente do homem. Então, tomada pela raiva, Bel começa a focar toda a energia que ainda consegue reunir, parando de lutar contra a dor e tentando utilizá-la a seu favor.
"Você enganou todos eles! Gaines! Você os forçou a darem suas vidas pela sua causa, que de justa não tem nada! Eu vi sua mente, eu sei as atrocidades que você está planejando, e não vou deixar você levar isso adiante, seu monstro!"
"Cale-se! Eu controlo seu núcleo biodigital, eu controlo seu fluxo de dados!" responde mentalmente Zardor, e com um comando mental, ele ergue um novo firewall ao redor da mente de Bel, porém, ao fazer isso, desvia parte da energia que está usando para modificar os corpos dos escolhidos, causando uma oscilação nas medições eletrônicas e atraindo a atenção de Sabrina e Isaías.
- Vovô! Alguma coisa está desviando a carga energética!
- Zardor, tem algo errado com o sistema de transferência de dados!
- Não é nada! Estou apenas ajustando os níveis de energia para balancear o processo - Responde rispidamente o velho. Mas Isaías o encara de maneira desconfiada.
- A temperatura corporal da Mãe está aumentando! Tá passando os padrões normais! - Diz Sabrina em alto tom.
Nesse exato instante, um som abafado e forte se faz ouvir, para em seguida, as paredes, o chão e o teto começarem a tremer. Poeira cai do teto sobre as cabeças dos ocupantes do laboratório, que, com exceção de Zardor, se lançam ao chão assustados com o barulho e o forte tremor. Aos poucos, o abalo vai diminuindo até parar completamente.
- O que foi isso? O que aconteceu? - Grita Zardor aos prantos.
- Vou verificar - Responde o guerreiro Isaías, se colocando de pé e se aproximando de seu console. Então ele digita uma série de comandos, e alguns monitores passam a exibir imagens do Templo e de vários pontos externos ao laboratório.
O choque toma de assalto os rostos de Isaías e de Sabrina, e logo as imagens são captadas pelas retinas de Zardor, que também acessa o sistema de video do Templo. Através das antigas câmeras, os três observam com um pânico crescente o pequeno grupo de invasores, vestidos com armaduras vermelhas, semelhantes a demônios, entrando em combate contra hordas de filhos e filhas de Alfa Um, que são rapidamente derrotados. Lágrimas começam a descer pelo rosto da pequena Sabrina quando ela reconhece seus amigos sendo brutalmente mortos por estranhas lâminas brilhantes, mortos pelos demônios da Babilônia, algo que ela apenas conhece de seus pesadelos mais sombrios.
Então, um ser de corpo feminino, trajado em uma armadura negra com detalhes amarelos, irrompe em meio aos assassinos e se atira contra um grupo de guerreiros que protege uma das muitas passagens que ladeiam o grande salão. A mulher derrota facilmente um por por um, rápida como uma sombra, letal como uma víbora. Atônitos, mais guerreiros de Alfa Um atacam a ciborgue ao mesmo tempo, alguns usando apenas os punhos, outros disparando rajadas de balas, contudo, a superioridade da atacante fica cada vez mais evidente, e logo os outros invasores se juntam a ela, transformando a luta em um massacre. Zardor não acredita no que seus olhos veem, e, onde antes havia empolgação, agora só resta o desespero.
- Quem são eles? Quem é essa mulher?! Por Deus, como nos encontraram? - Questiona o velho, incrédulo ao ver o avanço dos inimigos.
- Meus irmãos precisam de minha ajuda! Não posso deixar que eles morram assim! - Grita Isaías em cólera, afastando bruscamente seu console e então correndo em direção a porta.
- Não! Preciso de você aqui, idiota! Temos que acelerar o processo, os escolhidos são nossa única chance de salvação! - Protesta Zardor, em vão, pois Isaías se aproxima da grande porta e a destrava, enchendo o ar do laboratório com os gritos desesperados das pessoas que fogem pelo corredor deixando o Templo para trás.
- Sabrina! Me ajude, rápido! Temos que aumentar ao máximo a taxa de transferência!
Então, outra imagem é transmitida através do sistema video, revelando a chegada de novos invasores, um pequeno exercito, porém, forte o suficiente para enterrar de vez qualquer esperança de resistência dos Filhos de Alfa Um. Zardor reconhece suas armaduras e os símbolos que elas exibem: é a maldita UNI-Tron, a tropa de choque dos demônios corporativos.
- Sabrina!
Logo o velho percebe que sua neta também se foi. Atônito, ele volta a se concentrar no processo, trazendo para a tela de seu capacete as informações que eram monitoradas por Sabrina e Isaías; checa o estado de Bel: ela está no limite, pulsação extremamente acelerada, atividade cerebral muito além do esperado, mas a transferência de dados não atingiu nem cinquenta por cento. Então ele olha rapidamente para as imagens das câmeras externas: os invasores e a UNI-Tron estão se aproximando! Isaías também não conseguiu detê-los. "Esses filhos da puta não vão me derrotar novamente!"
Zardor aumenta o nível de energia ao máximo, a tela virtual diante de seus olhos, repleta de barras de medição, gráficos e números frenéticos, muda a tonalidade da cor de fundo, saindo de um amarelo alaranjado para um vermelho vivo, indicando perigo eminente, porém, desesperado, o velho arrisca tudo. Então, um grito perturbador invade sua mente. Na maca, Bel se contorce violentamente, as correntes que prendem seus pés e suas mãos travam seus movimentos, mas seu corpo tenta se impor, forçando a carne contra o ferro, provocando feridas na pele, machucando seus pulsos e seus tornozelos.
A coluna vertebral da executiva biocomputador brilha fortemente, emitindo uma cintilante luz azul; a grande máquina no teto, os cabos que se projetam dela para os corpos dos escolhidos, tudo começa a tremer. "Seu velho estúpido! Você realmente me libertou, mas me deu mais do que a liberdade. Agora eu posso sentir. Posso sentir o seu medo, posso sentir cada célula energética do seu CND; posso sentir as veias dos pobres jovens que você matou pulsando enquanto meus dados entram em seus cérebros. Posso sentir o terror em cada um de seus guerreiros quando eles são alvejados por tiros e cortados por lâminas; posso sentir, inclusive, cada circuito das armaduras de seus inimigos. E agora vou fazer você, todos vocês, sentirem a minha dor."
O velho estremece ao ouvir as palavras da mulher ecoando em sua mente. "Não pode ser! A menos que..."
"Sim, eles estavam me aprimorando, e eu jamais descobriria minha natureza sem você, mas quando seu bioprograma removeu as amarras mentais, eu passei a ter o controle total de novas habilidades que a VNR implantou em meu sistema, e vou usá-las para acabar com seus planos!"
O fluxo de dados, antes controlado por Zardor, se expande a níveis alarmantes, sobrecarregando os novos cérebros eletrônicos dos escolhidos. O velho tenta desesperadamente reassumir o controle do processo, em vão; vê, incrédulo, o firewall que isolava a mente de Bel se desfazer diante de seus olhos.
- Não! Não! Pare com isso, você não pode! Você deve cumprir a sua função! Mãe!
A dor começa a brotar no centro de sua cabeça, então se espalha por todo seu copo. Zardor cai de Joelhos, deixando o capacete bulboso balançando preso ao cabo. Ele rompe a conexão física, mas a presença de Bel não vai embora, a dor não cessa, pelo contrário, se torna pior a cada segundo. O velho grita.
- Como você continua dentro de mim?! Como isso é possível?!
"Não preciso mais de conexões físicas, Gaines. Acabou."
As placas eletrônicas dentro do corpo do cientista começam a se ativar. Seu antigo porém poderoso CND passa a computar centenas de bilhões de dados, superaquecendo os processadores. Desesperado, ele se arrasta para a porta. Então, uma a uma, suas placas de circuitos explodem, destroçando partes de seu corpo. Se volta para os escolhidos.
- Meus... Meus filhos!
Lágrimas percorrem o rosto castigado do doutor Gaines, então sua cabeça explode, espalhando sangue e miolos pelo chão do laboratório.
Bel perde a conexão com o homem no momento da explosão, porém, ainda consegue sentir as correntes elétricas dentro dos circuitos do cadáver, "Minha nossa...o que eu fiz? O que está acontecendo comigo?", questiona assustada. Sua pulsação continua acelerando e então sua consciência se expande abruptamente, entrando nos mecanismos eletrônicos da grande máquina, invadindo os computadores antiquados, avançando pelos cabos e pela fiação, se apoderando de tudo que é eletrônico. Arrebatada, ela sente uma estranha energia ganhando força em seu corpo, tomando cada célula biológica, dominando cada biochip em seu CND; respira ofegante, força as correntes, macerando ainda mais a carne já machucada. Então sente a presença de centenas de homens e mulheres, consegue captar a frequência de seus CND's, involuntariamente, a energia que emana de sua mente invade cada um dos dispositivos, examinando em uma velocidade absurda os dados daquelas pessoas, passando por cima das defesas mais avançadas, enganando todos os Biocrons, para então entrar em seus tecidos cerebrais, vasculhando cada pensamento, cada neurônio. Ela recebe a informação: são os policiais da UNI-Tron e alguns agentes da VNR, então se assusta ainda mais ao descobrir que alguns deles estão ali para matá-la.
Do lado de fora, no grande salão do Templo, Amanda mata o último Filho de Alfa Um que se lançou sobre ela. O corpo do guerreiro cai inerte, perfurado pela lâmina brilhante. Ela enfim respira. Após olhar cautelosa para as várias portas que se erguem à sua frente, chama seus homens pelo comunicador:
- Equipe, vamos entrar nos corredores. Formação delta, agora!
Os homens se agrupam ao lado da Rainha de Fogo, seus rifles empunhados e prontos para brandir novos disparos. Logo ela avança, seguida por sua pequena tropa. As forças da UNI-Tron começam a isolar o perímetro e a prender os poucos guerreiros de Alfa Um que se renderam, e por isso sobreviveram.
Então, de súbito, os agentes param de se mover e os oficiais da UNI-Tron estacam em suas posições, as luzes presas lá em cima na abóboda do teto piscam sem parar; todos os CND's e todos os sistema eletrônicos presentes nas armaduras começam a apresentar variações de corrente; sinais de alerta piscam nas retinas virtuais, e logo defeitos de funcionamento estalam diante dos olhos dos soldados. Pânico. As armas falham e suas partes eletrônicas entram em curto. As máquinas travam, o som da morte dos servo-motores nas pernas e nos braços das armaduras invade o Templo como uma sinfonia cacofônica.
Surpreendida e apavorada, Amanda tenta desesperadamente reestabelecer seus sistemas, então, surgindo repentinamente de dentro dos corredores, uma onda de energia cresce na direção do grande salão, explodindo pelo caminho as fiações dentro das paredes.
Segundos antes de ser atingida pela energia invisível, Amanda consegue desativar suas partes cibernéticas, deixando seu cérebro positrônico off-line. Seu corpo perde a sustentação e atinge o chão com violência, ela vê o mesmo acontecendo com seus agentes e com os outros oficiais que estão próximos, porém, diferente dela, eles não tem a mesma sorte, e seus cérebros são queimados de dentro para fora.
Gradativamente todas as luzes se apagam, e em instantes a escuridão reina absoluta. Pouco a pouco, os ruídos e lamentações começam a cessar, para finalmente o silêncio se estabelecer. A Rainha de Fogo consegue apenas ouvir sua própria respiração arquejante e, pela primeira vez em décadas, ela se vê aterrorizada, se lembra estarrecida o que é se sentir indefesa, frágil, exposta como uma presa.
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André Luis Almeida Barreto
Aspirante a escritor, inquieto por natureza, ainda tenho vontade de mudar o mundo ou pelo menos colocar um monte de gente para pensar. Viciado em livros, games, idéias loucas e sempre procurando coisas que desafiem minha imaginação.
Oi, André. É... parece que o capitulo anterior teve consequência neste, pois a tensão aumenta devido a máquina destrutiva. Um capítulo cheio de terror psicológico, pavor e sangue. Gostei muito de um adicional à Engenharia Reversa. E, sem contar, sobre este final instigante, quero a continuação repleta de detalhes sobre os sentimentos da Rainha de Fogo.
ResponderExcluirUauuu André!
ResponderExcluirFez uma Mãe poderosa, hein? Além de destruir tudo ainda entra na mente das pessoas.
Uma pena porque gostaria de conhecer a Geração Beta e suas habilidades...
“Sentir é criar. Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o Universo não tem ideias.” (Fernando Pessoa)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
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Oi André! Caramba, quantos volumes essa série tem! Está parecendo interminável, haha. Gosto de ficção científica e de tecnologia. No entanto a história não está me interessando muito. Não sei se pretendo lê-la. Quem sabe um dia né? Resenha ótima! ;)
ResponderExcluirNão faz muito meu estilo, mas pode ser que daqui a um tempo, eu dê uma chance.
ResponderExcluirEstou adorando acompanhar essa book série, como adoro ficção cientifica estou gostando muito de acompanhar essa história, adorei essa parte e estarei aguardando a próxima.
ResponderExcluirA cada capítulo uma emoção diferente. Gostando cada vez mais de acompanhar essa estória.
ResponderExcluirFiquei um pouco perdido nesta história, porque não acompanho desde o começo. Mas a relação com uma possível viaje no tempo e a engenharia me conquistou na leitura. Gostei!
ResponderExcluirOi!
ResponderExcluirEsse serie é o tipo de livro que gosto e comecei a acompanhar pelo Wattpad e pelo site gosto bastante principalmente porque a cada final de capitulo você consegue me deixar mais curiosa para o próximo !!