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11.2.16

A Linha Tênue [Rubem Cabral]

Ed. Caligo, 2014 - 264 páginas:
      Quais são os limites da palavra escrita? Até onde um livro poderia invadir a sua zona de conforto? Aqui: realidade. Lá: fantasia. Seria assim tão fácil? Você está mesmo tão seguro? A LINHA TÊNUE, o mais recente livro de Rubem Cabral, se propõe exatamente a isso com 29 contos que fogem do comum, querendo escapar de suas páginas e ganhar as ruas do mundo real. Um trabalho de escrita ousado, experimental e, ainda assim, acessível e divertido, que deseja definitivamente conquistar seus neurônios. 

Veja o preço:



A razão na corda bamba

Este é o último livro de uma série de livros da Caligo Editora que recebi de presente de minha querida amiga Bia Machado. Quero dizer aqui que ele não me surpreendeu, muito pelo contrário. Fui brindado com um livro de qualidade superior, não menos que excelente. Já esperava por isso – capa e edição caprichados são lugares-comuns na editora, assim como autores criativos e originais.

O livro A linha tênue (Caligo, 264 páginas) de Rubem Cabral, inexplicavelmente, mexe com a gente: de religião à fantasia, do policial ao corriqueiro, do horror à FC. Tudo se resume ao prazer de se finalizar cada conto com um sorriso no rosto ou com uma interrogação enorme no semblante (pura provocação que aceito sem restrições).

Iniciei a leitura do livro pensando em comentar um pouco de cada um dos contos e me deparava com pérolas que me faziam retornar à infância:

“... Você encheu o balde de água e foi brincar nos fundos, perto do galinheiro... Não se importava com vermes nesta época, você saíra sem camisa, mas filtro solar também não existia. Crianças tinham lombrigas e tomavam purgante, se queimavam demais de Sol, viviam de joelhos esfolados e bochechas descascadas de tanto soltar pipa. Crianças eram crianças e não estas coisas pálidas e mimadas, que só conhecem a luz da TV e do computador...”

Putz... maior paulada não é mesmo? É difícil ler isso e não se emocionar ou se revoltar, principalmente se for da geração Z. E passeando lentamente por cada conto e cada verdade cheguei à conclusão que não conseguiria comentar um a um. Os contos eram tão instigantes e tão díspares que eu já estava escrevendo um outro livro só para explicá-los.

No momento estou boquiaberto. O prazer de ler contos desta natureza (e olha que tenho inúmeras restrições e dificuldades com contos, inclusive os do mestre Stephen King) não tem preço! Não fui cru em direção ao autor, já conhecia parte do trabalho organizado pelo mesmo na “Antologia de contos fantásticos” e fui novamente fisgado por suas palavras:

“— A meta da linguagem é a metalinguagem — pensou, em um último lampejo, já desconectado de qualquer sentido ou razão.”

São trechos e mais trechos que me faziam reler palavra por palavra para degluti-los melhor, como a tradução da ausência:

“Ainda nos primeiros dias em que fiquei só, uma dor forte no meu ombro esquerdo quase não me permitia levantar o braço. Logo descobri que a razão era a posição de deitar: que, inconscientemente, eu tentava abraçá-la e passava a noite com o corpo pesado sobre o braço. Meu corpo estranha a ausência dela.”

Existem ótimas sacadas com frases bem construídas, provocativas, tapas na cara de uma sociedade hipócrita e dissimulada:

“Na Avenida Mem de Sá, fieis da Assembleia de Deus dividiam uma marquise com os pecadores do centro espírita linha branca, de forma até respeitosa.
A chuva era por tudo isso democrática; ninguém deixava de se batizar com a água límpida que era aspergida dos céus, ninguém deixava de compartilhar um pouco de imundice também.”

Como não se apaixonar pela escrita, como não se envolver, ainda mais quando o autor caminha por uma estrada de várias realidades em que Philip K.Dick reina lisergicamente absoluto:

“— Não, não sou você, seu idiota. Ao menos, não exatamente — ele riu. Sou as versões perdidas, de outras realidades, onde as coisas não aconteceram como você se recorda. Aquele muro que você se recusou a pular e por isto se safou de ser morto por um rottweiler, o atalho que você na última hora não tomou, escapando de ser violado e estrangulado com meros oito anos incompletos. Você é a versão com sorte, eu sou a soma de todas as outras. Afogado, estraçalhado, carbonizado. Infelizmente, este tipo de coisa, não me permitem esquecer.
... Hesitante, acabei por concordar. A criança me tocou o braço e percebi fatias geladas de melancia, rosto queimado de sol e melado de sorvete, moedas trocadas por dentes de leite sob o travesseiro, circo, gols, notas dez em matemática e redação, filhotes de cães, excursões escolares e bolos de aniversário passando céleres por meus olhos e deixando somente o vazio em seu lugar...”

A simplicidade de uma avó diante do inexorável:

“A porta com a pintura descascada protestou e rangeu. Entrei pela cozinha e a fragrância dela estava em todo lugar: um misto de alfazema, leite de rosas e sabonete Alma de Flores. ‘Não me deixem enterrar direto na terra, Cicinho. Não quero ficar lá num caixão que vá se encher de água quando chover e eu lá parada, lá dentro; presa me afogando...’”

A loucura descrita pela mente do próprio louco (ou seria o único de mente sã?):

“... Havia dias em que só queria berrar; tão alto e por tantas horas que nem mil injeções me interromperiam, que nem minhas cordas vocais feridas poderiam me impedir. Gritar por gritar, depois interromper de repente, sem ter ciência sequer da razão... Sabe, calmantes não funcionam comigo: os caras de branco não entendem, mas meu corpo, ele processa venenos. Eu poderia beber ácido de bateria se quisessem, aspirar fumaça direto do escapamento... comer chumbinho e achar graça do gosto... Acho que é o que acontece com todos nós; com os que ousaram transcender, com os que não se prendem mais às convenções castradoras que todos insistem em nos martelar nos miolos desde o dia em que somos cuspidos da carne de nossas mães. Eles nos trancam aqui porque nos invejam, porque ganhamos superpoderes.”

E há mais... muito mais. Contos fugindo da estrada certa, ganhando atalhos, equilibrando-se entre razão e loucura, numa linha delicada que pode se romper. O autor Rubem Cabral é, sem sombra de dúvidas, um destes autores que continua oculto do grande público, o que é lamentável. Precisa ser reconhecido com urgência.

Só me senti assim quando li André Carneiro e Braulio Tavares pela primeira vez, ambos também se mantêm repousando em algumas bibliotecas, sem o devido reconhecimento.

Se recomendo? É lóóóóóógico que sim. Livro imperdível! Tomem conhecimento de mais um autor nacional com talento de sobra!

Rodolfo Luiz Euflauzino
Ciumento por natureza, descobri-me por amor aos livros, então os tenho em alta conta. Revelam aquilo que está soterrado em meu subconsciente e por isso o escorpiano em mim vive em constante penitência, sem jamais se dar por vencido. Culpa dos livros!
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25 comentários em "A Linha Tênue [Rubem Cabral]"

  1. Olá, Rodolfo. Interessante! Adoro contos. Em saber que esse livro reúne vários contos, de diversos gêneros, fico muito curioso. E a obra é de mais um autor nacional! Estou muito feliz! Sucesso, Rubem!

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  2. Sua resenha está muito boa, não conhecia esse livro, mas como gosto de contos e depois de ler um pouco mais sobre esse livro, fiquei interessada e o adicionei em minha lista de leituras, pretendo lê-lo em breve.

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  3. Nossa Rodolfo me encantei com sua resenha!!! O livro parece ser delicioso e de grande qualidade literaria nos remetendo a sonhos e lembranças da infância. Deve ser uma viagem interessante passando por cada conto. Adorei a capa tambem! Já está na lista e parece que o livro vai alem das nossas expectativas, uma pena que a editora Caligo está sendo fechada!

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  4. Ótima resenha.
    Não conheço esse autor, mas com certeza ele ja subiu no meu conceito, confesso que amo contos, essa capa é maravilhosa, eu com certeza quero ler esse livro.

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  5. Olá Rodolfo!!
    Que resenha legal!Instigante!
    Assim como você eu tenho um pé atrás com contos mas de uns tempos pra cá tenho aprendido a apreciar um pouco mais esse tipo de livro.
    E acredito que os autores nacionais são expert nesse tipo de escrita.
    Talvez por você sempre encontrar ali algo que leva a lembranças ou coisas cotidianas que ocorrem conosco.Na minha opinião nossos autores de contos estão entre os melhores.Enfim mais um pra "listinha".
    Grande abraço!

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  6. Que capa de delicada.
    A resenha trouxe vários trechos,o que mais chamou minha atenção foi o da "loucura descrita pela mente do próprio louco (ou seria o único de mente sã?)"

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  7. Linda resenha, só aumentou a minha vontade de ler o livro! Parabéns!

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  8. Gosto muito de contos e esse e muito interessante.. Adorei algumas das citacoes, principalmente a primeira, me fez lembrar do meu tempo de crianca e a capa e maravilhosa..

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  9. Como disse, a capa me laço assim que pus os olhos nela. Simples e enigmática.
    Não sou "amante" a livros de contos, mas ultimamente tenho dado chances e não estou me arrependendo, pelo contrário, estou tomando gosto. Pelo que li em suia resenha, sinto que vou adorar "No momento estou boquiaberto. O prazer de ler contos desta natureza (e olha que tenho inúmeras restrições e dificuldades com contos, inclusive os do mestre Stephen King) não tem preço!" Não tenho mais nada pra falar, você já disse tudo.
    Bjocas
    Ni
    Cia do Leitor

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  10. Oi Rodolfo.
    Fiquei muito curioso com o livro pelo o fato de você ter feito uma resenha bem cativante. Resenhas livro de contos é extremamente difícil por que temos que falar do livro mas sem se esquecer da essência que cada conto contém. Você fez nisso perfeitamente bem. Anotei a dica bem anotado. Fiquei bastante curioso. Parabéns parceiro.

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  11. Oii Rodolfo! Que resenha foi essa? Curiosidade matando aqui pra ler! Ameeei o tema do livro! A capa linda! Parabéns! Bjs

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  12. Oi Rodolfo! Resenha mais que perfeita. Me deixou bem curioso. E essa capa é muito linda (sim, meu primeiro julgamento é quanto à capa do livro, hahaha). E amei o fato dos temas serem bem variados... deixa o livro mais dinâmico! Abraço.

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  13. Gostei da proposta do livro, mas não sou muito fã de contos. Quem sabe mais para frente eu dê uma chance?!

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  14. Obrigado pela resenha! Fiquei muito contente que você tenha gostado do livro!
    Ao pessoal que lê o seu blog, agradeço também. Ah, vale comentar que o livro é lustrado também.

    Abraços!

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  15. Eu leio pouquíssimos contos para falar a verdade, esse me pareceu ser instigante, vou colocar na minha lista, porque a curiosidade esta grande aqui.

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  16. Quero dizer aqui que ele não me surpreendeu, muito pelo contrário, fui brindada com um livro de qualidade superior, não menos que excelente. Já esperava por isso autores criativos e originais são lugares-comuns na editora

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  17. Oie! Mais uma vez amei sua resenha! Também tenho problemas com contos, raros são os livros desse tipo que eu gosto, então a sua dica já está mais do que anotada. Fiquei muito curiosa em ler o conto do cara que encontra com a soma de seus outros "eus" das realidades não aconteceram. Sobre a qualidade do livro, não sabia que a editora caprichava tanto nas suas edições, agora irei olhar os livros com outros olhos.

    Bjs.

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  18. Oi!
    Ainda não conhecia esse livro do Rubem Cabral mas foi só ler o primeiro quote que fiquei muito interessada no livro, gostei bastante como ele passa por tantos temas com seus contos e nos faz refletir e adorei essa capa !!

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  19. Não conhecia esse livro, mas só de olhar a capa já encanta. E gosto muito de saber que livros que acho bonitos também tem conteúdo! Me interessei em ler os contos!

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  20. Amo contos e acho que vou amar muito esse livro. Sua resenha me deixou bem curioso, a premissa é super bacana. Abraços :)

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  21. Rubem Cabral, nome anotado aqui. :) *-*
    Sorriso no rosto, fiquei assim ao ler a resenha, Rodolfo. Pelos detalhes do encantamento que a leitura causou em vc, pelos quotes escolhidos (a passagem do louco é deliciosa).
    Eu adoro contos. Gosto da coisa curta que precisa da intensidde certa para não morrer inócua - o ponto certo é quando faz sorrir, simplesmente, ou quando inquieta, atormenta, faz pensar ou causa nojo. Mas que mexa com o leitor. O jogo de palavras pede precisão pq tem urgência em atingir o alvo, senão o leitor deixa de lado toda uma promessa de entretenimento. E bons autores alcançam isso tão bem que me levam a querer descobrir outros corajosos contistas. Descobri mais um. Que bom! Graças a vc - ou culpa sua, é melhor provocar, rs.

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  22. Rodolfo
    Você sabe que leio suas resenhas em primeira mão kkkk e fico me achando por isso. Sempre que vou postar suas resenhas me pego babando por elas e admirando o seu poder de escrita e persuasão, afinal depois de ler suas resenhas, mesmo aquelas que a leitura não te agradou muito, fico com vontade de ler o livro. Já li algumas de suas indicações, mas não todas, ainda. Espero um dia chegar lá.
    Gisela
    @lerparadivertir
    Ler para Divertir

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  23. A primeira pérola sobre a infância também me fez recordar a minha, nossa, que saudades! As crianças de tv e computador não sabem o que estão perdendo.
    O trecho sobre a ausência é muito lindo também, assim como desconfio que seja todos os contos desse livro. Valeu pela dica!
    Abraços.

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  24. Eu adorei sua resenha.
    Os techos que tu escolheu só me deixou muito a fim de ler.
    Espero que tu não tenha escolhido os melhores... Hahaha
    Gosto de contos e essa coisa nua e crua é sensacional.
    E é claro que preciso ter esse livro.
    É tão bom quando conhecemos mais um autor nosso incrível.
    Adorei.

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  25. Já li vários livros de contos, e eles costumam ser muito bons. Pela sua resenha esse livro parece ser ótimo, com contos de vários gêneros diferentes. E essa frase "Eles nos trancam aqui porque nos invejam, porque ganhamos superpoderes." me fez pensar, meu Deus, preciso ler esse livro.

    Abraços :)

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