Ed. Alfaguara , 2017 - 252 páginas |
- "João nasceu em Ribeirão Bonito, interior de São Paulo, filho mais velho de uma família de classe média baixa. Desde o início, acompanha a forma rude como o pai José trata sua mãe, de origem mais humilde. É vítima, ainda criança, da violência de José, que não aceita sua natureza de "menino maricas". Antes de completar 10 anos, João entra num seminário, para escapar do ambiente de casa. "Eu iniciava meu processo de ser outro, um homem, sem deixar de ser o mesmo filho de José, o cachaceiro."
Depois de abandonar o seminário, ele busca sua liberdade, e deixa o Brasil da ditadura para conhecer o mundo. Atravessa graves momentos políticos na América Latina e vivencia a contracultura nos Estados Unidos. Mergulha na escrita e nas artes. Mas a sombra do pai continuará sempre consigo."
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“Meu pai me fez um desbravador da minha alma."
Antes de tudo, devo avisar que isto não é uma resenha. Não há nada aqui sobre teoria ou técnica, não sou das letras. É, antes de qualquer coisa, a observação apaixonada de uma leitura forte, dolorosa e impactante. Um registro afetivo. Conhecer João Silvério Trevisan através do autobiográfico PAI, PAI me levou do encantamento à compaixão, com muitas lágrimas e intervalos para retomar o fôlego. João é um escritor que conversa com a alma do leitor, assim fui arrebatada.
Jornalista, escritor, dramaturgo, cineasta e tradutor, João foi cofundador do primeiro jornal voltado para a comunidade LGBT - o Lampião da Esquina, nos anos 70. Criou o primeiro grupo de liberação homossexual do Brasil – Somos – e é vencedor de três prêmios Jabuti. Estou na lista de apostadores (e torcedores) de seu nome para prêmios literários deste ano com este seu novo Pai, Pai. O primeiro livro do que ele chama de Trilogia da Dor.
Como falar dos pais sem contar a nossa própria história, as percepções que tivemos ainda pequeninos até a descoberta de que eram - traição! - perfeitamente falíveis? João Silvério segue escavando memórias nada agradáveis, tentando reconstruir o que teria sido aquele homem alcoólatra, violento e amargurado:
"Não creio que eu chegasse sequer a odiá-lo. Eu o temia onipresentemente como inimigo anônimo - ou, no meu desamparo infantil, um monstro poderoso. Em muitos momentos da infância, eu me flagrava fazendo uma pergunta nunca respondida: "Por que esse homem me trata assim?"
A trajetória do menino João, humilhado e espancado pelo pai, que, dentre outras coisas, não aceitava a homossexualidade do primeiro filho, é revisitada no livro. Sua vida no seminário, as decepções amorosas e religiosas, o conflito causado pela “culpa cristã”, as tentativas profissionais, os anos de análise, enfim, são abordados pelo autor em um texto muito bonito, profundamente reflexivo. E corajoso! A partir da pergunta mencionada no evangelho de Mateus: “Pai, pai, por que me abandonaste” - mote do título do livro -, tantas vezes relida no seminário, João começa seu processo de cura.
Apesar dos maus tratos, a mãe nunca deixou de lutar para melhorar a vida dos filhos, jamais se vitimizando, mas enfrentando as mais duras privações. Pensando em dias melhores para o primogênito João, aceita enviá-lo para o seminário, como fuga do ambiente doméstico hostil:
"Mamãe, que sempre deixou claro seu apreço e admiração por mim, também me escrevia cartas - algumas guardo até hoje - num mimoso estilo maternal, em que procurava minorar sua condição de semianalfabeta. Orgulhosa do meu gosto pela leitura, comprava a prestação romances de José de Alencar disponíveis na única papelaria da pequena Ribeirão Bonito. Ao chegar para as férias em casa, eu encontrava uma pilha à minha espera."
Ah, a mãe de João, que mulher! Agredida sistematicamente com socos e pontapés vindos de quem deveria lhe oferecer alguma proteção, no mínimo uma parceria na luta difícil, conseguiu emergir da dor e da falta de perspectivas e seguiu o exemplo do filho estudioso:
"Gesto emblemático de sua determinação, nossa mãe frequentou um curso de alfabetização de adultos do Mobral e conseguiu terminar o grupo escolar, por volta de 1970. Para comemorar o diploma recebido, deu-se ao luxo de jantar numa pizzaria com a família - antes de morrer, no ano seguinte."
Um dos aspectos interessantes da relação do autor com sua mãe é que, à medida que percebe a força e a resiliência dessa mulher, mais se apequena a figura fracassada do pai. Com o distanciamento físico trazido pela vida adulta, João consegue, enfim, enxergar o pai como o macho malsucedido, o homem frágil e inseguro cuja função provedora fora malograda. Além do imaturo que não soube lidar com as fragilidades não permitidas ao “homem da casa”. Resultado explosivo da instabilidade emocional somada à força física, que buscava respostas no álcool.
Seria o livro um acerto de contas com o pai? Um processo catártico para seu passado de violência física e psicológica? Uma tentativa última de entender o abandono vivido na presença da figura paterna? Há muitas obras na literatura dedicadas ao minucioso julgamento íntimo da relação pai x filho. Lembrei da leitura de Carta ao Pai, em que Franz Kafka também expurga as dores de sua relação com o próprio genitor.
"Só depois dos meus cinquenta anos decidi exorcizar de vez esse estilo de vida que constituiu o meu berço e me assombrou por décadas. Queria dar um ‘basta’ definitivo a partir do que aprendi a fazer de melhor, a minha literatura, desenvolvida na contramão de tudo aquilo que a minha família paterna desdenhava."
Em um dos capítulos mais lindos que já li na vida, nas últimas páginas do livro, João fala sobre o perdão, esse autoencontro libertador. A viagem pela desgraçada vida começa a fazer, enfim, sentido:
"Seria assim: o perdão articula, promove, impõe uma perfeita revolução no interior da alma. Ah, mas então perdoar é um ato revolucionário? Pode ser. Ainda assim, revoluções não acontecem sem derramamento de sangue."
A verdade é que toda família carrega em seu ventre segredos, mentiras, omissões, frustrações, arrependimentos, silêncios que se fazem ouvir mais e mais à medida que amadurecemos. Como filhos - e/ou pais - que somos, é bem possível que o leitor examine o livro Pai, Pai à luz de suas referências mais íntimas, identificando-se com o autor ou enxergando nos personagens alguém de seu convívio. Seja qual for a sua experiência com a leitura, acredito que também saia dela com dores apaziguadas e uma maior compreensão dos nossos humanos limites. Espero que vá ainda além e deseje, tão somente, exercitar a empatia e, quem sabe, amadurecer algum perdão que precisa ser dado – a alguém ou a si mesmo.
"A arte me permitiu alguma esperança - ou fé."
Termino o livro com uma vontade imensa de abraçar o João menino e o homem que ele se tornou. O poeta, o cara em busca de. Ah, João, que presente lindo você me deu ao longo dessas páginas! Também para mim foi um caminho de volta!
Link do livro no Skoob: https://www.skoob.com.br/livro/704549ED705698
Manu Hitz
Cearense, fisioterapeuta e mãe. “Eu não tenho o hábito da leitura. Eu tenho a paixão da leitura. O livro sempre foi para mim uma fonte de encantamento. Eu leio com prazer. Leio com alegria.” Ariano Suassuna.
Cortesia do Grupo Companhia das Letras
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Oi, Manu.
ResponderExcluirEssas reflexões que são trazidas através de sua vida e momentos difíceis vividos pelo autor e sua alma, são capazes de tocar nossa alma, ao ler sobre toda a sua trajetória, refúgio/vontade de mudar de vida.
São sim, Daiane, em algum momento nos identificamos. Bj
ExcluirQue coisa mais sem explicação chegar em um local que a gente gosta e se deparar com algo assim, sentimentos em forma de letras!
ResponderExcluirComo não conhecia o livro, estou aqui sem saber ao certo o que pensar e sentir.
Já tinha lido pouca coisa a respeito da trajetória de João, pelo que me lembro, trechos de uma entrevista que ele deu faz muito tempo a um canal de tv.
Só quem viveu a dor e o amor, é capaz de escrever assim, alma pura!
Foi para a lista de desejados e espero poder ler e em breve!
Beijo
Prepare seu coração ♥, querida, a vida de João estilhaça mesmo. Espero que goste da leitura, o texto é maravilhoso! Bj
Excluirquerida Manuh, você tem o dom de me falar diretamente à alma. a sinopse da história de João me tocou profundamente, estou em pânico - não sei o que a leitura deste livro me causará, mas sei que não serei o mesmo depois dele. acho que é por isso que estou protelando tanto a leitura. consigo perceber o que em mim é sangue de minha mãe, todas as suas "falhas" são minha também, o fruto nunca cai longe da árvore. a culpa cristã também me persegue por questões outras que não a de João, porém consigo domá-la e realinhá-la para que ela sirva de parâmetro ético-moral. o trecho do perdão me acertou em cheio e creio que ainda preciso de um acerto servero de contas comigo mesmo, ainda não consegui fazê-lo, mas busco incansavelmente por isso, quem sabe um dia eu possa me conhecer melhor. e o que mais dizer desta sua resenha de encher os olhos? tenho por mim que o "silêncio" é o próprio inferno, ou melhor, que a matéria prima de que é feito o inferno seja o "silêncio", esta besta insidiosa que nos arrasta tristemente para algo que nos frustra sempre, mas que não tem um nome. suas palavras hoje são as mãos que me carregam pelo caminho, só por hoje me senti encontrado, amanhã posso me perder, mas hoje não. obrigado querida.
ResponderExcluirMeu amigo poeta, João tem um buraco no peito, uma dor apaziguada e toda a força na pena. Que belas palavras, fico feliz por ter gostado. Leia o João, sim, não perca a chance. 😉
ExcluirOi Manu, se só lendo sua resenhas e as passagens do livro que tem ao longo dela me vi emocionada com essa história imagino que vá derramar muitas lágrimas lendo esse livro. Eu fico triste com relatos como esse, pai e mãe deveriam guiar, amar, ensinar e nunca humilhar e esmagar o ser humano que tá se desenvolvendo. Essa é uma história que me passa a ideia de que merece ser lida, há muitas lições a serem aprendidas pela difícil vida que ele teve, pela força da sua mãe, pelo macho malsucedido como você diz na resenha do pai. Curti muito o post e surgindo a oportunidade vou querer sim ler esse livro ;)
ResponderExcluirSim, Lili, parte o coração e tb ensina coisas importantes. Leia sim! Bj
ExcluirParece ser interessante e cheio de reflexões sobre varias coisas, sobre a vida, mas não sei se eu leria.
ResponderExcluirTC 0118
http://garotaeraumavez.blogspot.com.br/
É forte mesmo, Jady. 🤔
ExcluirOi Manu! Tudo bem?
ResponderExcluirEssa é a primeira vez que leio sua resenha aqui no site, e confesso que adorei, principalmente o livro pelos aspectos físicos e de conteúdo. Sua resenha é quase que um convite certeiro para lermos.
Parabéns!
Grande abraço!
http://www.cafeidilico.com/
Opa, Victor, obrigada! Espero que vc leia e aprecie. 😊
ExcluirManu!
ResponderExcluirTem aguns livros que mexem profundamento com nossa sensibilidade e acredito que esse seja um deles.
Ver tudo que o João criança passou, suas dores, espancamentos, não aceitação e vê-lo se tornar um grtande profissional, é acima de tudo uma grande lição de vida que devemos analisar e trazer para nossa realidade.
E que babado é esse que não é mulher das letras? É sim e escreve bem demais, adoro suas análises sempre.
Novo Ano repleto de realizações!!
“Meta para o Ano Novo? Ser feliz!” (Desconhecido)
cheirinhos
Rudy
1º TOP COMENTARISTA do ano 3 livros + Kit de papelaria, 3 ganhadores, participem!
Ow, querida, João é de uma intensidade corajosa! Obrigada pela presença sempre! 😚
ExcluirOlá,Manu! Nossa que resenha é essa? Que estória esplêndida e inspiradora,não sei por em palavras como me sinto ao ler essa resenha,se já com ela me sinto assim ,imagina quando ler o livro-porque lerei-irei me emocionar de uma tal forma... As citações que você fez do livro me motivou ainda mais, esse é uma obra que tem que ser lida por todos. Parabéns...
ResponderExcluirVai se emocionar sim, querida, e espero que goste! Bj 🌷
ExcluirEu não conhecia este livro, não costumo ler autobiografias, mas seus comentários referentes a este livro acabaram me deixando muito curiosa para ler ele, a história parece ser bem impactante. Sem dúvidas pretendo ler este livro.
ResponderExcluirQue bom, leia sim, Mari! Bj
ExcluirParece ser bem interessante :D
ResponderExcluirhttps://submersa-em-palavras.blogspot.com.br/
Muito, Monique! 😉
ExcluirManu que livro lindo, enredo forte, me parece que a leitura é de fato mto agradável e que trás grandes lições, adorei suas palavras e vou anotar e aguardar uma oportunidade pra conhecer essa leitura.
ResponderExcluirBjs!
É tudo isso sim, Aline, e tb bem sofrida. Espero que goste! 😚
ExcluirOlá, essa autobiografia possui uma significação muito grande para quem passa ou passou por situação semelhante, afina, infelizmente, a plot de um parente agressivo e intolerante faz parte da vida de muitas pessoas. Beijos.
ResponderExcluirÉ verdade, Alison, em algum momento a gente se identifica ou lembra de alguém. Bj
ExcluirOi Manu, nossa só lendo a sinopse já da pra perceber que a historia do livro é bem emocionante digamos assim que leva o leitor a lagrimas. Acredito que a historia desse homem é a realidade de muitos hoje, pai alcoólatra e que maltrata os filhos e também não aceita a sua sexualidade, mas que bom que o protagonista dessa historia conseguiu vencer. Acredito que para esse filho perdoar deve ter sido muito difícil acho que o sentimento de perdão é difícil e mais pelas circunstancias que determinada pessoa passa, mas eu gostei demais da sinopse e da história acho que vai ser uma leitura que vai me fazer refletir, obrigada pela dica com certeza vou ler bjs.
ResponderExcluirÉ como ele diz, Fernanda, que é uma batalha sofrida, mas que esse perdão é uma construção. Espero bqur goste da leitura, bj! 🌷
ExcluirOi, Manu!
ResponderExcluirNão costumo ler leituras fortes e impactantes, é que sou muito emotiva e leituras assim sempre me deixam com uma baita de uma ressaca literária, por isso prefiro livros com enredos simlples e leves... Mas não tenho dúvidas de que quem gosta desse estilo vai se apaixonar e se encantar com o relato autobiográfico do João Silvério Trevisan, assim como aconteceu com você...
Abraços!
Sim, Any, como vc tb sou bem emotiva e busco nessas leituras compreender como o sofrimento pode ser lição. Obrigada pela presença! 😉
ExcluirParece ser uma leitura muito tensa, fiquei emocionada e revoltada lendo a resenha imagina o livro, deve mexer muito com as emoções do leitor. E lindo também porque o personagem conseguir perdoar isso não é nada fácil, pois sofreu muito nas mãos do pai e viu o sofrimento da mãe também.
ResponderExcluirMexe mesmo e tem essa beleza que faz a leitura valer a pena, Maria. Obrigada!🌷
Excluirjá amei,estou na fase de buscar os nacionais e sua resenha me deu um ótimo ponto de partida,adorei esse livro...
ResponderExcluirQue bom, Paola! Prepare seu coração! ♥
ExcluirManu, que lindo, sensível e emocionante relato. Fiquei comovida e ansiosa para ler. Gosto muito desse tipo de leitura, carregado de emoções e sentimentos. A sinopse já havia me instigado, e muito, mas depois que li a sua "não resenha" tão rica em detalhes, fiquei ainda mais curiosa. Obrigada querida por mais uma dica tão valiosa permeada por toda sensibilidade que conseguiu captar e compartilhar. Abraço!
ResponderExcluirSim, Keila querida, este é um daqueles livros que amamos, voraz, que nos leva a estados intensos, que nos tira o chão. E que escrita! Obrigada pela presença! 🌷😚
ExcluirOlá!
ResponderExcluirO autor trás para nós uma reflexão sobre uma vida que muitos passa ou já passaram e que não temos uma consciência sobre isso. Gostei muito dele e tem uma digna de uma leitura maravilhosa e espero ler em breve.
Tempos Literários
Verdade, Lily, há muitos conflitos pai x filho que descambam para a violência e humilhações. Leia sim 😘
ExcluirQue lindo em, é aquele tipo de livro que trás todo tipo de sentimento a tona né, que faz o leitor sentir, e quantas vezes não precisamos desse tipo de leitura em algum momento da vida.
ResponderExcluirObrigada pela dica de leitura, irei procurar pra ler com certeza!
É isso mesmo, Sabrina, aflora nossas lembranças e sentimentos mais caros sim. 😘
ExcluirOi Manu!
ResponderExcluirNão preciso nem dizer que até mesmo sua resenha me emocionou né? Apesar disso não sei se conseguiria ler o livro, acredito que existe "momentos" para certas leituras, e a história de João tem que ser apreciada sabendo que o leitor irá se envolver a ponto de sentir algumas das dores do personagem. De fato o livro é um presente lindo ...
Beijos
Exatamente, Vitória! Para este livro o leitor tem que estar bem, tranquilo, sabendo que o texto é denso. Obrigada! 😘
ExcluirFiquei com o coração na mão com essa sinopse acho que isso precisava ser abordado em algum livro. A questão do Pai abre aspas agredindo filho com essa história de maricas então Achei muito fofo principalmente por ser um livro brasileiro então com certeza já adicionei ja adicionei a minha lista do skoob
ResponderExcluirOi Manu,
ResponderExcluirQue resenha bonita!
Não conhecia essa obra, apenas li Carta ao Pai do Kafka que você citou.
Conseguir transmitir sua trajetória é algo tão profundo, a parte sobre a mãe me tocou especialmente
Oi, Manu!
ResponderExcluirGostei bastante da resenha sem dúvida é um livro para ler com calma pois é uma história que infelizmente tenho certeza que poderia acontecer com qualquer um de nós. Parabéns pela linda resenha.
Bjoss