Cortesia da Editora Rocco
A moderna arca de Noé
A incensada escritora canadense Margaret Atwood tornou-se queridinha por aqui após o lançamento de uma série de sucesso baseada em seu livro "O conto da aia" pela Netflix. Porém, bem antes disso ela já era sensação em outras plagas - ganhadora do Prêmio Arthur C. Clarke, Prêmio Príncipe das Astúrias e Booker Prize.
Vim adiando sua leitura por algum tempo, por isso quando me deparei com este acabei também sendo tragado pelo fenômeno. Penso que fui um pouco afoito já que este é o segundo livro de uma trilogia e eu nem li o primeiro – "Orix e Crake" . Fiquei um pouco à deriva, mas isso não me retirou o prazer da leitura.
Título: O Ano do DiluvioOnde comprar: Amazon
Autor: Margaret Atwood
Tradutor: Marcia Frazão
Série: MaddAddão
Editora: Rocco
Gênero: Distópico, Ficção científica
Páginas:472
Edição: 1ª
Ano: 2018
No livro O ano do dilúvio (Rocco, 472 páginas) não há como identificarmos a época dos acontecimentos, tudo se dá a partir do Ano 25 (o tal "Ano do Dilúvio"), onde a humanidade foi quase toda dizimada, vítima de seus próprios erros e pecados. Há muitas lembranças do passado para contar um pouco da vida das personagens e em como chegaram na condição em que se encontram.
O bem é representado pela seita eco-religiosa Jardineiros de Deus que vivem na clandestinidade combatendo tudo o que é industrializado, vivendo de forma pacífica e frutal. O mal está centrado na CorpSeCorps, uma corporação que faz a segurança privada de outras corporações. Cabe a ela o "trabalho sujo", enquanto a imagem de honestidade e confiabilidade das outras é preservada. Porém, o livro é mais que a luta do bem contra o mal, ele fala do empoderamento feminino.
O livro é centrado em duas personagens femininas - Toby (a durona) e Ren (a sensível). Marca registrada da autora, as personagens enfrentam sofrimentos atrozes que as vão moldando até que prevaleçam suas vontades sobre a dor.
“O funeral da mãe foi curto e melancólico. Ao terminar, o pai e Toby sentaram-se à mesa da mísera cozinha. Beberam uma embalagem inteira de seis cervejas; Toby, duas, e o pai, quatro. Depois, Toby foi para a cama e o pai entrou na garagem vazia, enfiou o cano do rifle na boca e puxou o gatilho.”
Ao se tornar órfã, Toby sofre infortúnios e é seviciada por Blanco (um protegido das corporações), seu chefe no trabalho. A grande virada se dá quando é acolhida pelosos Jardineiros de Deus que a defende. Mesmo sem acreditar no que pregam torna-se uma colaboradora em troca de proteção.
Ren ainda criança é levada a reboque quando sua mãe foge com um dos membros desta mesma seita. De uma hora pra outra sua vida tranquila deixa de existir e ela passa a ser marginalizada já que tem que viver na clandestinidade, pois a seita é vigiada de perto pela CorpSeCorps.
Ser funcionário com cargo elevado dentro de uma corporação pode garantir regalias. Por outro lado, ser um funcionário dispensável pode ser bastante perigoso, pois podem ser usados em experiências que acarretam doenças incuráveis. Já aqueles que não pertencem à nenhuma corporação não têm vida fácil não e podem desaparecer como se não tivessem existido, tendo órgãos retirados e o resto transformado em alimento.
“Os comerciantes da ralé pagavam para que os homens da CorpSeCorps fizessem vista grossa. Em troca, a CorpSeCorps permitia que esses mesmos comerciantes gerissem sequestros e assassinatos, cultivo de skunk, laboratórios de crack e comércio de drogas nas ruas, com barracões de madeira que serviam de depósito. Eles também controlavam as funerárias e a coleta de órgãos para transplantes, e as carcaças dos cadáveres eram aproveitadas nos moedores de carne da SecretBurgers. E circulavam rumores bem piores. Durante os dias de glória da SecretBurgers, muito poucos corpos foram encontrados nos terrenos baldios.”
Vale tudo nesta troca de favores. As grandes corporações traficam espécies ameaçadas de extinção, realizam manipulação genética para criar criaturas perfeitas e imortais, produzem drogas potentes, entre muitas outras coisas acobertadas pela CorpSeCorps que pouco a pouco vai se tornando poderosa a ponto de se tornar o próprio Estado, e pior, um Estado totalitário.
A vida das duas personagens se cruzam e se afastam, para voltar a se unir após o "dilúvio". É quando precisam somar forças para lutar por suas vidas em meio à barbárie que toma conta deste mundo distópico e selvagem. Agir como cordeiros não as salvará, é necessário também atacar. Terão que aprender a conviver em meio à violência do caos.
“(...) dependuravam o adversário morto em árvores, por vezes com o corpo mutilado. Com a cabeça decepada, sem coração, sem rins. Era uma forma de intimidar o time oponente. Às vezes uma parte do corpo era comida, ou porque o alimento tinha acabado ou apenas para deixar evidente um alto grau de maldade. Depois de um tempo o cara não só rompe os limites como se esquece que eles existem (...) E acaba fazendo o inimaginável.”
Futurologia ou ficção especulativa, podem dar o nome que quiser, mas a verdade é que Atwood é nosso oráculo – a essência é tratada como empecilho na busca do ser humano perfeito.
“– A verdade é que a maioria das pessoas não se preocupa com as outras espécies – disse ele. – E ainda mais quando os tempos estão difíceis. Elas só se preocupam com a próxima refeição, o que é natural porque, se não comemos, morremos. (...) Para a maioria de nós a visão estritamente materialista de que o homem é uma experiência com uma proteína animal que se fez sozinha... é muito sombria e solitária e conduz ao niilismo.”
E é aí que Atwood nos lança um bote salva-vidas – a religião. E isso não deixa de ser hilário já que os "Jardineiros de Deus" se comportam de forma extremista, o oposto do que buscamos quando estamos sofrendo (ou será que não?). Alimentam-se daquilo que produzem, proibem a carne, confrontando as corporações e principalmente a CorpSeCorps. Seus membros mais elevados são tratados como Adãos e Evas sendo que cabe a eles as decisões no mundo pré-dilúvio e do que farão no novo mundo pós-dilúvio. Pode parecer insano, mas o discurso apocalíptico de seu líder com o tempo vai se mostrando verdadeiro e assustador.
“– Não deveríamos esperar tanto da fé – continuou. – O conhecimento humano é sujeito a falhas, e enxergamos por meio de uma lente embaçada. As religiões não passam de uma sombra de Deus. E as sombras de Deus não são Deus.”
A vivência das duas personagens com seguidores desta seita será de grande valia no confronto que não tem final e deixa inúmeras incertezas que certamente se resolverão no livro final.
Dificilmente releio um livro, mas este é um dos poucos que fatalmente entrarão para a lista pela abundância de temas que espelham nossa realidade, pela complexidade de sua abordagem filosófica, pela inteligência irônica de Atwood e, por fim e não menos importante, pela qualidade profética e metafórica do texto.
E fica aqui um pouco da retórica admirável da autora que marca bem a busca desenfreada pela beleza e imortalidade:
“Se você quer mesmo ficar para sempre com a idade que está, pensava com seus botões, tente pular de um telhado: seguramente a morte é o melhor método para deter o tempo.”
Não é leitura fácil, longe disso, é leitura adulta, é preciso trabalho árduo para compreendê-lo. Não há muitos ganchos, é uma grande narrativa de fatos. Penso não ter feito juz a este livro com minhas palavras. Mas é ou não é incrível?
Oi Rodolfo,
ResponderExcluirEu sou louca para ler qualquer coisa dessa mulher, já assisti a série The handmais tale, mas nunca li o livro, quero muito. já está na minha lista de compras faz tempo. Essa mulher cria histórias muito pesadas e maravilhosas
cara Theresa, você disse tudo, são histórias pesadas que poderiam acontecer a qualquer um (salvo o fantasioso). mulheres empoderadas e uma pitada de especulação futura e temos um caldeirão pra lá de apetitoso.
ExcluirEu quero muito ler O conto da aia, e assim conhecer a escrita dessa mulher tão elogiada.
ResponderExcluirConfesso que esse livro não me desperta interesse, o gênero não é algo que estou acostumada.
Mas gostei da resenha, quem sabe no futuro eu queira ler.
Beijos
cara Ludyanne, o importante é a leitura e se você já deseja ler "O conto da aia" já está valendo. aguardo sua leitura da saga maddaddão também. bjos
ExcluirOlá Rodolfo!
ResponderExcluirConheço a escrita da autora por sua obra mais conhecida, e devo reconhecer que Atwood sabe muito bem retratar distopias, as quais chamam atenção por fugirem do óbvio e trazerem reflexões acerca do que o futuro nos reserva. Um dos pontos mais interessantes da obra é a forma com a qual a autora dota suas protagonistas femininas de determinação, sendo que é quase palpável o amadurecimento das mesmas frente às situações impostas pela sociedade fictícia apresentada.
Beijos.
Alison, você está com a razão, este exercício de futurologia é que faz da obra de Atwood algo diferente e ousado. e como você bem disse o poder está com as mulheres. bjos
ExcluirConheci o trabalho da autora quando li O Conto da Aia e claro, foi paixão a primeira letra! Falar do que Margaret escreve acredito que seja chover no molhado. Impossível!
ResponderExcluirEla consegue com uma maestria criar personagens únicos, situações tão reais, que a gente arrepia ao ler.
E mesmo sem ter lido este último trabalho da autora, não vejo a hora de conferir. Mesmo que sim, seja leitura para poucos.
Mente aberta!rs como acredito que tenha que ser a quem vê The Hand, uma das séries mais fortes, densas e reais que já vi na vida(que venha a terceira temporada logo)
Lerei este com certeza.
Beijo
cara Flor, então você bem sabe o quanto a escrita da autora é poderosa. é leitura pra poucos sim, adulta e cheia de ligações que para alguém mais jovem pode parecer jogado dentro do texto, mas nada é por acaso. que bom que irá embarcar também, aguardo mais comentários da obra de Atwood. bjos
ExcluirOlá! Ainda não tive a oportunidade de conhecer a escrita da autora, mas cada nova resenha de seus livros me deixa mais empolgada, gosto muito que o livro tenha duas protagonistas femininas fortes, esse último trecho foi bem impactante, e tenho certeza que a leitura do livro será bem intensa.
ResponderExcluircara Elizete, não deixe de ler esta autora, ela é incrível, vá por mim e por todos que leram e se apaixonaram.
Excluircara Nil, você está coberta de razão. na verdade a netflix lançou "alias grace" outro livro de sucesso de Atwood. obrigado pela correção e pelas palavras carinhosas. leia também e volte pra gente prosear um pouco mais sobre esta autora maravilhosa.
ResponderExcluirEntão Rodolfo, tua resenha conseguiu me deixar num misto de euforia (para ler, obvio) e desanimo por se além da minha capacidade intelectual.
ResponderExcluirBom, vamos por parte, como tu consegue ler o segundo volume de uma trilogia entender e ainda explicar com tanta facilidade? No momento estou lendo Vox que é um ambiente completamente o oposto de O ano do dilúvio, chegue a fazer uma confusão mental entre as historias.
Me atraiu muito essa trilogia, afinal tendo mulheres guerreiras a frente de uma luta é sempre muito estimulante, ainda mais quando se mistura religião que sempre rende uma boa reflexão e uma agitada na narrativa, ou seja, ao contrário de ti, preciso ler tudo em ordem hahahha, (Conto de Aia está tambem na lista e certamente vai ser uma das pontos do triangulo: mulheres sem voz, mulheres guerreiras e as submissas)
cara Fabiana, não pense assim, hoje podemos buscar o saber no "são google" rs. o que ocorreu foi que eu queria tanto ler Atwood que não me importei de ser o segundo volume. não me arrependi. é um livro denso sim, mas também cheio de ensinamentos, além, é claro, de tratar do empoderamento feminino que é tema que prezo. com mais calma percebi que apesar do primeiro volume ser importante, este segundo volume podemos dizer que é um prequel, ou seja, uma história anterior ao primeiro volume. talvez eu tenha lido na ordem correta,rs.
Excluirleia também e me diga o que achou de Atwood, irá enriquecer muito nosso debate. bjos
Obrigada pelo teu estimulo e retorno, mas lendo em ordem já me atrapalho (tenho deficit de atenção) que dirá alternado, mas tu ainda teve mais sorte que juízo e não fez diferença a ordem que tu leu. ufa!! Certamente está na lista e como falei, Vox está sendo muito impactante e todos livros relacionados a mulheres (sejam submissa ou guerreiras) me interessa.
ExcluirOlá Rodolfo!
ResponderExcluirIncrível é pouco para descrever esse livro. Eu já sabia da fama da autora em criar livros profundos e brilhantes mas esse extrapola todas as definições de genialidade. Só pelos quotes podemos perceber o quão impactantes são as palavras da autora. Confesso que ao ler a resenha demorei um pouco para me situar no enredo mas depois que entendemos todo o conceito da obra ela se torna leitura obrigatória.
Beijos
cara Aline, obrigado pelas palavras carinhosas. é um livro um tanto complicadinho sim, mas não há como tirar o mérito de prever em detalhes o que poderá ser nossa vida daqui pra frente. Atwood é um oráculo, rs. bjos
ExcluirOi Rodolfo,
ResponderExcluirO Conto da Aia é incrível, depois que vi e li a obra prestei atenção nos trabalhos da Margaret Atwood, recentemente li Semente de Bruxa.
Distopias trazem reflexões interessantes,a construção é bem complexa, fiquei curiosa para saber mais.
cara Helen, fiquei curioso sobre "semente de bruxa". tenho por mim que Atwood está sempre um passo à frente no que diz respeito ao nosso futuro, aos maus tratos à natureza e ao ser humano. por isso ela é tão boa no que se propõe a fazer, não acha?
ExcluirOlá, Rodolfo
ResponderExcluirNão li nada da autora ainda, espero mudar isso.
Tenho muita vontade de ler O Conta da Aia, agora depois da sua resenha claro que preciso conhecer essa trilogia que mistura distopia, empoderamento feminino (adoro ler livros com mulheres determinadas, guerreiras) e muita aventura. A autora aborda temas que nos leva a reflexão, o ser humano pensa que Tudo é pra ele, gira em torno de si.
E você ainda conseguiu ler e compreender o segundo volume, mas gosto de ler na sequência.
Beijos
cara Luana, sempre há tempo, rs. as mulheres em Atwood sempre nos ensinam pelo amor ou pela dor. tudo passa por elas. é mágico! quanto a ler o segundo volume creio ter feito a coisa certa já que este é considerado um prequel do primeiro, então estou na sequencia correta, rs. bjos
ExcluirConfesso que nunca li nada dela o único que me interessei foi o O conto da aia,mesmo assim depois de ler bastante resenhas,pois tinha um pé atrás com a escritora por nunca ter lido nada dela.
ResponderExcluircara Paola, espero que sua vontade de lê-la sobressaia ao desconhecimento das obras de Atwood, vale muito a pena.
ExcluirEu não conhecia o livro. Coincidência (ou não) comecei ver a série O conto da Aia hoje. Eu gostei muito da trama do livro da resenha. Será mesmo bom reler após fazer a leitura do primeiro livro. Os temas são bem interessantes. Quero ler também.
ResponderExcluircaro Evandro, estamos na mesma "vibe". "o conto da aia" é um sucesso, tenho muita curiosidade quanto a ele. leia este e volte pra gente prosear sobre os dois. abraços
ExcluirOi, Rodolfo!
ResponderExcluirLi ano passado pela primeira vez um livro que pertecia ao gênero distopia, mas apesar de ter gostado e pretender dá continuidade a leitura da série, nem todos os livros do gênero distopia me chamam a atenção, é que não curto muito esse universo - um mundo opressivo onde o bem luta contra o mal, cheios de injustiças e intrigas políticas...
E o universo de O ano do dilúvio, com seita e tudo mais não me interessou, acredito que não é uma leitura que eu apreciaria por isso não arriscarei a leitura.
Abraços!
cara Any, a vida é uma eterna luta onde bem e mal se entrelaçam, o que separa um do outro é, em muitas casos, uma linha muito tênue. como diria Leonardo Boff: todo ponto de vista é a vista de um ponto. basta alterarmos a visão e pronto, lá se vão nossas certezas. mas ainda assim continuo insistindo: provoque-se, arrisque, saia da zona de conforto, quem sabe uma leitura diferente não a faça mudar de ideia. bjos
ExcluirOi Rodolfo,
ResponderExcluirMargaret Atwood é um dos nomes mais comentados, do mundo literário, na atualidade, mas ainda não tive o prazer de conhecer sua escrita. Sempre que se trás temas religiosos ou que façam uso de referências bíblicas o autor corre um grande risco de a história ter um índice de aceitação bem baixo, pois é um tema que divide águas e opiniões. Mas a autora tem uma forma bem peculiar de trabalhar os elementos, para começar ele insere tudo em um mundo distópico e nele ela consegue trabalhar com outros temas como política, empoderamento feminino, etc. As protagonista me parecem que terão uma grande jornada pela frente, marcado por dor, mas, principalmente, por força. Fiquei interessada sim neste e livro e curiosa para saber se a leitura deste segundo sem ter lido o primeiro funcionaria para todos os leitores.
cara Gislaine, antes deste livro eu estava como você, alheio ao universo ficcional criado por Atwood. penso agora que perdi tempo demais, ela é um espetáculo. todo tema polêmico costuma causar um certo "torcer de nariz", mas quando se começa a leitura a gente entende onde ela quer chegar. se está interessada no livro não deixe a vontade passar, você não irá se arrepender.
ExcluirOi, Rodolfo!!
ResponderExcluirAinda não li nada da Margaret Atwood. Estou curiosa para ler O conto da Aia e quem sabe esse livro também, realmente a autora torno-se queridinha aqui no Brasil e estou super interessada em começar a conhecer as obras da autora. E com relação a esse livro achei a história incrível e sua resenha mais uma vez desperta uma vontade louca de adquirir o mais rápido possível o livro e começar a leitura.
Bjos
olá Marta, eu também não havia lido nada de Atwood apesar das inúmeras resenhas elogiosas que li a respeito de sua escrita. comecei por este e digo com certeza que não ficarei apenas neste, adorei o estilo da autora. bjos e brigaduuuuu
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