Cortesia do Grupo Companhia das Letras
Um sorriso nervoso
Claramente me envolvi com Cat person e outros contos (Companhia das Letras, 256 páginas) por causa do infindável debate que causou o conto que deu origem a este livro e através do qual todos os outros orbitam.
Kristen Roupenian – guardem este nome que é muito sonoro, pois ele é quente, muito quente – se tornou conhecida no final de 2017 quando publicou o conto “Cat person” e ele transformou-se rapidamente em um dos mais acessados e debatidos.
Título: Cat Person e Outros ContosOnde comprar: Amazon, Submarino, Travessa
Autor: Kristen Roupenian
Tradutor: Ana Guadalupe
Editora: Companhia das Letras
Gênero: Contos
Páginas: 256
Edição: 1ª
Ano: 2019
E o que este conto teria de tão extraordinário? Ele aponta uma das questões modernas que mais tem chamado a atenção de especialistas que estudam o mundo virtual: a dificuldade que as pessoas têm de se comunicar.
O conto é a história de uma jovem que flerta virtualmente com um homem mais velho. Após um primeiro encontro real e desastroso, por se sentir constrangida, prossegue até um sexo que se mostra ainda pior.
“Margot ficou sentada na cama enquanto Robert tirava a camisa e desabotoava a calça, baixando-a até os tornozelos e só então percebeu que ainda estava de sapato e agachado para desamarrar os cadarços. Ao ver Robert assim, numa posição tão estranha, com a barriga grande, mole, coberta de pelos, Margot pensou: ai, não. Mas imaginar o que seria necessário fazer para interromper o processo que ela havia iniciado era assustador; aquilo ia exigir um tato e uma gentileza que ela julgou impossível canalizar. Não era exatamente medo de que ele tentasse forçá-la a fazer algo que não queria, mas insistir em parar agora, depois de forçar a barra para continuar, a faria parecer mimada e instável, como se tivesse pedido um prato num restaurante e, assim que a comida chegasse, mudasse de ideia e pedisse para devolver.”
Ao abordar temas como relação de poder e consentimento, ideias amplamente debatidas por Foucault, Roupenian acabou por atiçar a brasa que nem sempre está adormecida, mas que tem causado rebuliço na era das redes sociais que é o movimento #metoo. Daí para o estrelato foi um pulinho. Nem é o conto do qual mais gostei, mas que é polêmico isso é.
A escrita de Roupenian é moderna, contemporânea, muitas vezes violenta e levemente escatológica.
“Numa voz meio baixa, rouca, tipo sexo por telefone, como se ela fosse falar a coisa mais excitante, mais errada do mundo, ela disse: “Eu quero que a gente entre junto no chuveiro. Aí eu quero que a gente, tipo, fique se beijando, se pegando. Normal. E aí, depois de um tempo, e essa parte é muito importante, quando eu não estiver esperando, quero que você me dê um soco na cara com toda força. E, depois que você me der o soco, quando eu estiver caída, quero que você me dê um chute na barriga. E aí a gente pode transar”.”
Vamos deixar o puritanismo de lado, aqui é vida real. Sabemos que estas coisas acontecem, pode ser fetiche, pode ser algum distúrbio psicológico, mas negar a existência de situações como esta é tapar o sol com a peneira. Você pode até não ter vivido isto, mas há gosto para tudo no território do desejo. Roupenian desnuda sem piedade.
Por ser doutora em literatura africana conseguimos captar a influência de uma sociedade culturalmente rica, muitas vezes apoiada no realismo fantástico e em crenças próprias de um continente supersticioso e amedrontador.
“As batidas começaram logo depois da meia-noite. Toc, toc, toc, fez o visitante, primeiro na porta, depois na janela. Toc, toc, toc. Porta, janela, janela, porta, até que a casa toda ficou envolvida em batidas meio femininas, farfalhantes. Com certeza uma só pessoa não poderia se mover tão rápido...”
Roupenian prova que o ser humano morde, mas que a vida morde ainda mais forte e deixa marcas indeléveis.
“Mas Ellie amava morder muito mais do que amava estrelas douradas e continuou mordendo, com alegria e violência, até que um dia, depois da aula na pré-escola, a bela Katie Davis apontou para Ellie e cochichou bem alto no ouvido do pai: “Aquela ali é a Ellie. Ninguém gosta dela. Ela morde as pessoas”, e Ellie passou tão mal de vergonha que não mordeu mais ninguém por mais de vinte anos.”
Com a percepção aguçada e um olhar feminino por excelência, Roupenian consegue transitar por universos diferentes sem perder o humor. É fácil se identificar com as personagens em estado de incerteza, insegurança e inexperiência em que se encontram.
Kristen Roupenian por The Independent Culture |
A vida de cada personagem é expressa por sentimentos conflitantes. Não há o bem ou o mal, há circunstâncias que nos lançam para lados opostos. Em pleno século XXI ainda engatinhamos no sentido de dar valor pleno à palavra “respeito”, mas vozes como a de Roupenian nos faz questionar e isso por si só já é uma vitória, mesmo que isso nos deixe com um sorriso estranho no rosto, um sorriso nervoso tentando negar o medo, demonstrando atabalhoadamente nossa submissão.
Um livro bem fora da curva do que estamos acostumados a ver no mundo literário não é?
ResponderExcluirUm livro ousado de uma autora ousada. Que aborda temas atuais, polêmicos com personagens humanos, complexos, frágeis.
cara Chelle, um livro fora da curva sim, uma experiência super interessante eu diria. leia também e volte pra gente prosear mais sobre ele.
ExcluirMesmo depois de todo esse movimento em cima do conto, eu ainda não conhecia. A forma como a autora explora os assuntos, sem enfeites e de forma real é altamente válido, mesmo que muitas vezes possa soar estranho par o leitor fora do universo descrito. Fiquei muito curioso para ler.
ResponderExcluircaro Evandro, fico feliz de ter despertado sua curiosidade é ela que nos move. leia também e volte pra gente prosear um pouco mais sobre ele.
ExcluirRodolfo!
ResponderExcluirAcho que me choquei mais em saber que gosta desse tipo de conto...kkkkk,
Não, não sou puritana, mas achei que você fosse...kkkkk
Brincadeiras a parte, acredito que seja um livro bem ligado a realidade atual em que vivemos pelas redes sociais.
Fiquei interessada na leitura.
Boa Páscoa!
cheirinhos
Rudy
eiiiiiiiiiii Rudynha... eu um puritano rsrsrs, nunca me imaginaria assim. o mundo virtual aproxima e afasta ao mesmo tempo, é questão para filósofos e entendidos. a gente fica no meio do tiroteio, rs. leia também, gostaria muito de saber sua opinião. bjos
ExcluirOlá!
ResponderExcluirÉ um livro bem diferente de que já sou acostuma a ver. O livro traz momentos que são interligados a nossa realidade e acredito que aborda de uma maneira incrível. Fiquei um tanto interessada pela leitura mas não sei se leria agora.
Meu blog:
Tempos Literários
cara Lily, também diria que este livro é "diferente", mas profundamente atual e isso nos carrega para suas páginas. leia sim, que não seja agora, mas leia um dia, é um livro para nos abrir a cabeça.
ExcluirA mística envolvendo estes contos é grande, e é uma pena que poucos tenham acesso ou conhecimento dela.
ResponderExcluirEu mesma, sei bem pouco, mas o suficiente para não me chocar mais..
Aliás, tudo que traz para a realidade que vivemos hoje em dia, é fabuloso e a maneira como se conta, de uma forma única e simples, direta e ao mesmo tempo, repleta de um humor característico, é da genialidade da autora.
Não dá para simplesmente devolver a comida...não é assim tão simples, pois não se resume a apenas isso, há as entrelinhas, duras entrelinhas!!
Quero demais conferir!!!
Beijo
cara Flor, não é demérito desconhecer livro a autora, as resenhas no final das contas são para isso mesmo, nos aproximar de quem ainda não temos contato. e como você mesma observou - não dá pra devolver a comida - assim como não dá para "desler" um livro assim, é algo que nos toca, nos faz questionar, abre velhas feridas. confira também! bjos
ExcluirOi Rodolfo,
ResponderExcluirNão sou adepta a contos, mas esse me chamou atenção pelo tema abordado. Se tem algo que nossa sociedade está sendo cada vez mais atingida é pela falta de comunicação ou a comunicação direta, pessoal, cara a cara. Sei que tem certos temas que nem sempre serão bem vistos ou aceitos por muitos, mas a necessidade de que eles sejam abordados tem que ser maior que o puritanismo, tem que ser maior do que o medo de ser julgado por ter um gosto peculiar, por exemplo. Essa é a primeira vez que vejo o nome de Roupenian e logo deu para perceber que essa não está para brincadeira e sua honestidade na escrita deve ser admirada.
cara Gislaine, não é privilégio seu não gostar muito de contos, também me enquadro nesta categoria. mas com Roupenian foi diferente, foi um perder de fôlego que adorei. leia também e volte pra gente prosear um pouco mais.
ExcluirUau!
ResponderExcluirEsse livro me chamou atenção por conta da capa, mas depois dessa resenha é certo que quero ler.
Amo histórias com senso de realidade, sem romantização.
Obrigada por me mostrar esse livro.
Beijos
cara Ludyanne, confesso que a capa não me estimulou muito não, mas a recepção positiva de seu conto me fez voltar os olhos para a escrita de Roupenian. se gosta de realidade então aqui você terá um banho completo, maravilhoso. agradeço suas palavras carinhosas. bjos
ExcluirOi Rodolfo,
ResponderExcluirNão conhecia Roupenian, bom ver sua resenha e entender mais sobre sua escrita.
Parece uma leitura interessante, ficarei de olho nessa autora.
cara Helen, não perca o nome Roupenian de vista, ela ainda nos dará muitas leituras alegres ou não. é super atual e tem escrita admirável.
ExcluirOlá Rodolfo!
ResponderExcluirNão conhecia a autora mas pela resenha deu para ter uma noção do porquê seu nome causar um reboliço por aí. Muitas pessoas apreciam mais o lado lúdico das histórias e como a autora não mascara questões polêmicas alguns leitores podem ficar impactados mas tudo é uma questão de adaptação. Eu acho que os temas que ela aborda são importantíssimos de serem discutidos e fiquei interessada no livro.
Beijos
cara Aline, que bom que apreciou a resenha sobre obra tão "ímpar". os temas são atuais e a escrita pra lá de moderna. confesso que adorei. que bom ter se interessado pelo livro. leia também e volte pra gente prosear mais. bjos
ExcluirOi Rodolfo,
ResponderExcluirQuando abri o post, tinha outra ideia desse livro, e já tava com um pé atrás. Mas agora fiquei bem empolgada para ler ele! Tive um ideia totalmente diferente.
cara Theresa, fiquei curioso para saber o que você imaginava que seria este livro, rs. que bom ter ficado empolgada, leia também, divirta-se e volte pra gente prosear um pouco mais.
ExcluirOlá Rodolfo!
ResponderExcluirA autora impressiona ao abordar de forma tão direta um tema que não poderia ser mais relevante no contexto da atualidade. Realmente perdeu-se os limites do real e do virtual, um fato que faz com que criemos uma nova persona dentro de nós difícil de domar. Roupenian parece achar o ponto ideal para discorrer sobre as novas formas de se comunicar, sendo que um leitor atento pode até entender todas as referências pretendidas.
Beijos.
olá Alison, é esta nova persona que muitas vezes faz com que nos tornemos fakes de nós mesmos né? é tema que dá para ficarmos discorrendo um dia inteiro. bjos
ExcluirNil, também não sou lá muito chegado a contos, tenho dificuldades para me conectar. mas não foi o que ocorreu com este livro. se ele te chamou a atenção leia, não irá se arrepender.
ResponderExcluirNão vou mentir, alguns quotes me deixaram bem desconfortável kk
ResponderExcluirPorém não irei descartar a leitura deste livro, acho que às vezes é bom sairmos um pouco da nossa zona de conforto e, pelo o que você falou, a leitura deve valer a pena. Acho que vai ser interessante conhecer personagens mais reais.
cara Pamela, não há porque se envergonhar disso. nem sempre estamos preparados ou acostumados a determinados assuntos. enfim, a leitura nos alerta, nos incomoda, nos faz questionar valores incutidos desde a infância. então bora ler e refletir.
ExcluirOi, Rodolfo
ResponderExcluirAinda não conheço a escrita da autora, mas por se tratar de contos que tem relacionamentos como tema vale a pena ler.
Tenho a impressão que a leitura desses contos leva a um mix de sentimentos e reflexão, com personagens tão reais.
Os quotes que você deixou na resenha são bem chamativos.
Espero poder ler, beijos!
cara Luana, os quotes refletem pouco o que realmente é descrito, alguns eu mesmo censurei, rs. então bora ler pra gente prosear mais sobre Roupenian, esta belíssima autora. bjos
ExcluirOi, Rodolfo!
ResponderExcluirLendo sua resenha tive a impressão de que a escrita da Kristen Roupenian é do tipo... na falta de uma palavra melhor, "refinada", que deve ser lida lentamente...
Eu amo contos, mas sinceramente não fiquei curiosa para conhecer mais dos contos de Cat Person e Outros Contos... Bjos!
cara Any, não sei se refinada definiria bem, é sim qualificada, inclusive realista. fico feliz por encontrar alguém que gosta de contos, acho que você deveria embarcar neste livro, rs. bjos
ExcluirOlá! É muito bacana conhecer uma autora que aborde de maneira tão verdadeira temas tão atuais, acredito que no primeiro momento possamos realmente ficar um pouco chocados, mas que isso vá se transformando, no decorrer da leitura, em reflexão sobre comportamentos e atitudes (nossas e daqueles que nos cercam), eu particularmente gosto bastante de contos, acho que são uma ótima alternativa para intercalar com outras leituras.
ResponderExcluirQuando olhei pra capa do livro imaginei que se tratava de uma coisa totalmente diferente, sei lá haha!
ResponderExcluirMas fiquei realmente interessada em ler e saber mais sobre esse e os outros tbm.
Oi, Rodolfo!!
ResponderExcluirEssa é a primeira resenha que leio sobre esse livro e a premissa é bem diferente de todos os livros que já li, mas acho importante conhecer Cat person e outros contos. Gostei bastante da resenha e da indicação!!
Bjos