Cortesia do Grupo Companhia das Letras
A volta do degredado
“E sempre no meu sempre a mesma ausência”.
Um livro que parte de um preâmbulo de Carlos Drummond de Andrade já merece mais que um olhar, suplica atenção, implora reflexão. E foi o que aconteceu comigo no primeiro contato com O verão tardio (Companhia das Letras, 232 páginas) do mineiro, nascido em Cataguases, Luiz Ruffato.
Talvez porque eu estivesse atravessando um momento de ausências, de perda de significados, de saudosas recordações, este livro tenha me tragado para dentro de seus parágrafos poéticos de períodos enormes (muitas vezes mais de 40 páginas) e me feito refém. A leitura fluiu perfeita, mas não sem sobressaltos, porque a vida é vivida aos solavancos.
“Caminho sem retorno, erros que levam a outros erros, e cinquenta e três anos pelo ralo. É isso a vida?”
Título: O Verão TardioOnde comprar: Amazon
Autor: Luiz Ruffato
Editora: Companhia das Letras
Gênero: Romance
Páginas: 232
Edição: 1ª
Ano: 2019
O livro trata da volta de Oséias a sua cidade natal depois de seu degredo voluntário. Ele volta depois de vinte anos para resgatar o que não mais existe, talvez escrever seu epitáfio, quem sabe um acerto de contas. E assim como o título sugere, o personagem me parece intenso como o verão, mas inoportuno. O passado não se vivencia novamente e um verão fora de época não é verão, é apenas um arremedo dele.
"Quando mudei para São Paulo, nos primeiros tempos gostava de vaguear na rodoviária, fim de semana, buscando adivinhar a trajetória de cada um daqueles inúmeros rostos que desfilavam atônitos. (...) Agia assim para amenizar a solidão que nos sábados e domingos expulsava-me do modesto quarto de pensão no Pari – ou talvez para me saber real, eu, que com frequência, zanzando anônimo por entre a multidão, acreditava-me invisível."
Oséias, um lobo solitário, abandonado pela esposa e filho, vagueia pela cidade em busca de rostos e lugares de seu passado. São seis dias que se repetem insanamente como se fosse um mesmo dia, preso a um espaço-tempo próprio, fadado a repetir os mesmos movimentos, ele procura algo que possa lhe trazer paz de espírito. E o que ele encontra é bélico.
“Desculpa incomodar, mas você não é o Alcides? Eu acho que lembro de você da época do.” Ele se volta, colérico, os olhos injetados, apoia-se no balcão, espantando os mosquitos, e grita, interrompendo-me: “Que papo é esse, cara?! Não vem com conversinha fiada, não! Você me conhece? Foda-se! Eu não te conheço! E nem quero conhecer, entendeu? Toma seu café quietinho aí e dá o fora!”. Seu hálito azedo embaça meu rosto.
O choque inicial do encontro no primeiro boteco concede o tom o qual estará sujeito Oséias durante sua estadia na cidade que ele agora desconhece. É o princípio de seu acerto de contas com a família e alguns conhecidos que ainda residem por lá. Seus irmãos são a mais pura representação das classes sociais: Rosana, fútil classe média, casada convenientemente com um rico agiota; Isabela, castigada pela pobreza, presa a filhos, netos e um marido beberrão; João Lúcio, rico e próspero empresário que construiu seu império através de seu trabalho.
Oséias parte ao encontro de cada um de seus irmãos, carregando consigo apenas sua mochila e a memória do suicídio de sua irmã Lígia, peso enorme sobre os ombros já arqueados."
“Morri junto com a Lígia...”, digo. “Virei isso, um corpo sem espírito, que deseja... e teme... o final...”
Rosana, preocupada apenas consigo, lhe dará um passa-fora. Isabela o tratará com carinho, mas sem condições de abrigá-lo acabará por afastá-lo e João Lúcio, indiferente aos problemas de Oséias, se mostrará alheio às intempéries do irmão. Cada encontro terá seu próprio desfile de sentimentalidades, concentrada em palavras ditas e não ditas cultivadas por anos de silêncio, abandono e ressentimento. A clareza e a naturalidade com que escorrem os diálogos carregados de mágoa evoca sensações que deveriam estar guardadas, ou melhor, não deveriam porque a humanidade é inventada pelos erros cometidos e através deles reinventada, somos fruto de todos os erros passados, produto de desacertos ancestrais.
Sua sobrinha, filha de Rosana, define com perfeição a falta de diálogo entre todos em sua casa e isso pode se estender ao restante da família. Não há como reconstruir aquilo que foi perdido:
“Somos planetas errantes naquela casa, tio. De vez em quando nossas trajetórias se cruzam, quase nos destruímos. Apesar de nos rejeitarmos, a nossa sobrevivência depende uns dos outros. Forças magnéticas... As órbitas...”
Apesar de atualmente o mundo estar interconectado, a incomunicabilidade continua sendo o grande flagelo do homem moderno. Ruffato consegue através do fluxo constante de pensamentos de seu personagem demonstrar o quanto estamos longe de uma solução para este mal.
Esta é a história de alguém que definitivamente não consegue romper com as dores de seu passado e de suas escolhas e que não sabe ao certo o que fazer de seu presente, mas sabe como será seu futuro, ou melhor, o futuro de todos nós – o vazio, a ausência, a morte.
"O futuro é uma projeção do passado. Somos o que fomos. Quem constrói nossa estrada somos nós mesmos. Nós é que traçamos o curso. Quando escolhemos uma direção, e não outra, definimos nosso destino."
Existem autores que nos falam diretamente ao coração, estes são difíceis de explicar. Não se trata da forma de sua escrita, mas do sentimento nela contido que traduz o que carregamos a duras penas vida afora. Rufatto faz parte desta estirpe e eu já me considero seu fã.
Olá Rodolfo!
ResponderExcluirO autor consegue provar que não é necessário muitas páginas para que uma obra obra possa ser profunda, e aqui o tema é introduzido com excelência para quem está lendo. Oséias não apresenta uma caracterização densa o suficiente para que o leitor possa se solidarizar com sua situação, porém são as pessoas ao seu redor que criam a comoção, uma vez que ninguém parece dar a mínima para a dor do protagonista, o que faz com que passemos a compreendê-la, bem a como a dificuldade de superá-la.
Beijos.
Puxa, confesso que quase caiu uma lágrima aqui. Amo livros assim,que literalmente jogam o leitor dentro da vida, sem anestesia. Não somente pelo voltar, mas pelo tentar a todo custo se recuperar em meio ao caos das escolhas.
ResponderExcluirE isso não é referente só a Oséias, mas sim, a cada um de nós. E sim, essa com certeza, foi a intenção do autor.
Misturar nostalgia, passado, presente e futuro, brincando ali com todos os sentimentos que vão surgindo em cada reencontro ou não encontro!
Com certeza, vai para a lista de mais desejados!!!
Beijo
Olá Rodolfo,
ResponderExcluirO livro parece ser bem pesado, com uma carga emocional muito grande.
Você tentar se conectar com pessoas que estão em estágios da vida diferente da sua, é bem complicada, mesmo você conhecendo bem essas pessoas, se é que nós conhecemos bem alguém
O livro proporciona uma grande e importante reflexão sobre família, classes sociais (em especial a brasileira), escolhas, perdas e recomeço.
ResponderExcluirOseas retorna em busca desse Verão Tardio como uma forma de se reencontrar e de conectar com o passado há muito esquecido.
Ainda não conhecia, parece ser bem interessante!
ResponderExcluirhttps://www.submersaempalavras.com/
Ah, Rodolfo, fico feliz que tenha gostado tanto de Ruffato. Senti a responsabilidade por indicá-lo como leitura que conversa com nossos sentimentos e dores. Li "De mim já nem se lembra" e me senti tão conectada aos sentimentos de ausência, solidão, necessidade de pertencimento, de ter um lugar no mundo - e no colo - de alguém! Acho que o tema se repete neste Verão tardio, mais um personagem comum, do povo, (re)pensando sua vida, e isso adoro mais que qualquer coisa numa narrativa, tentando desatar nós e criar laços, fazer as pazes, enfim, nesse turbilhão da meia idade que pode deixar o indivíduo no chão... De onde deve (sempre espero e torço) reerguer-se sobre pernas mais firmes, talvez perdoar-se e ser mais indulgente consigo, tornar-se mais leve, então. Tecer esta vida dá trabalho.
ResponderExcluirA primeira citação é tão forte, em algum momento me senti assim. Sinto que preciso ler este livro, há muito que quero mais do Ruffato. Que bom que seja ele a nos unir numa leitura comum, bom mineiro que é.
Resenha impecável, carregada de sentimentos. Parabéns!
Apaixonada por essa resenha.
ResponderExcluirPrimeira vez que vejo esse livro, mas sua resenha me fez perceber o quanto é uma leitura poética, cheia de sentimentos e que toca o coração.
Beijos
Apaixonada por essa resenha.
ResponderExcluirPrimeira vez que vejo esse livro, mas sua resenha me fez perceber o quanto é uma leitura poética, cheia de sentimentos e que toca o coração.
Beijos
Olá Rodolfo!
ResponderExcluirQue resenha mais poética! A trama não poderia ser mais real, uma vez que muitas famílias tem uma relação semelhante à do protagonista (muitas até pior). Na busca nostálgica por lembranças de uma época há muito esquecida, Oséias se esquece de viver o presente, e isso também retrata perfeitamente muitas pessoas da vida real. A falta de comunicação sem dúvida é o ponto forte, afinal, não é atoa que nossa sociedade cada vez mais conectada é assolada pela solidão, depressão e ansiedade.
Beijos
Olá! Um livro com certeza muito intenso, uma leitura que pode ser difícil, mas que nos fará refletir, especialmente sobre nossa falta de comunicação, também (ou principalmente), com as pessoas que nos importamos, nossa família. Eu não consigo imaginar tudo que Oséias terá que enfrentar ou aquilo que já passou, mas sei que sua jornada será cheia de dor, mas espero que também de finalização e amor.
ResponderExcluirOlá! Parabéns pela resenha, ficou ótima! ♡
ResponderExcluirConfesso que gostei muito da premissa e dos assuntos que são abordados no livro.
O livro parece ser tão intenso quanto o próprio personagem principal. O tipo de livro que faz refletir, que provoca vários sentimentos no leitor e que contém uma carga emocional bem alta.
É triste ver o quão ruim é a relação do personagem principal com a sua família.
Ainda não conhecia o autor, mas vou procurar mais sobre suas obras.
Obrigada pela indicação! Beijos! ♡
Oiii ❤ Esse livro parece falar com propriedade sobre as sensações da humanidade, como cada um tem seu jeito e como lida com o passado e com o que está por vir.
ResponderExcluirA exemplificação disso é os irmãos do personagem: uma fútil, outro ganancioso e uma que parece boa, mas não tem condições de ajudar o irmão.
Essa falta de comunicação presente no livro é triste, saber que pessoas que moram na mesma casa nem se conversam...
Acho essas reflexões trazidas no livro, são muito importantes pra refletirmos sobre a nossa própria vida.
Essa parece uma leitura que vale muito a pena. Adoraria ler.
Beijos ❤
Olá!
ResponderExcluirUma historia bastante envolvente e comovedora. Fiquei bem curiosa pelo livro, apesar de que eu não sou muito de ler livros nacionais de autores realmente famosos, uma vez tentei e não deu certo..Talvez um dia eu possar ler esse livrinho.
Meu blog:
Tempos Literários
Olá Rodolfo ;)
ResponderExcluirSempre gosto de descobrir novos autores nacionais, e ainda não conhecia o Rufatto. Realmente há autores que de primeira conquistam nosso coração, e que bom que aconteceu isso para você com a leitura de “Verão Tardio”.
Superar as dores do passado é algo difícil, e imagino como deve ter sido para o protagonista.
Obrigada pela indicação!
Oi Rodolfo,
ResponderExcluirLindo o preâmbulo escolhido.
Parece um livro com uma escrita bela e poética, com um tema de ausências que sabe atingir em cheio.
Olá!! Acho que conheço o nome do autor de algum lugar,mas não me lembro de ter lido nenhum livro dle!! Achei a resenha linda, mas não é bem o tipo de livro que eu leria!
ResponderExcluirOi, Rodolfo!!
ResponderExcluirQue livro fantástico sem dúvida é uma história bem interessante e profunda. Não conhecia esse autor nacional mas gostei bastante da indicação sem dúvida é um livro para ser apreciado!!
Bjs
Olá, Rodolfo
ResponderExcluirÉ a primeira vez que vejo esse livro. A capa é linda!
Nossa como o autor conseguiu trazer para o enredo o que muitas famílias passam, Oseias é um personagem que sofre muito e ainda se culpa pelo suicídio de sua irmã e a relação que tem com sua família.
Um livro bem triste que quero muito poder ler, beijos.
Oi, Rodolfo!
ResponderExcluirEsse livro parece ser bem profundo, reflexivo e até mesmo triste.
Cheio de dramas familiares, novos começos e tantas perdas...
Fiquei com vontade de ler, principalmente porque estou lendo bastante dramas ultimamente, rs
bjs