Almas escuras como a noite
Leio Stephen King desde meus 13 anos e posso garantir que já abandonei esta fase infante há um bom tempo. No momento, estou mais para um senhor maduro. Acompanhei todas as fases do mestre, de seus livros de terror (hoje, me agradam menos) aos psicológicos (me simpatizo mais). E por que digo isso? Para deixar claro que nunca espero de King menos que um livro excelente.
Título: Escuridão Total Sem EstrelasOnde comprar: Amazon
Autor: Stephen King
Tradutor: Viviane Diniz
Editora: Suma
Gênero: Contos, Terror
Páginas: 390
Edição: 1ª
Ano: 2015
Escuridão total sem estrelas (Suma, 390 páginas) é um livro “bom” ou “muito bom”, dependendo do ponto de vista. Talvez, por isso tenha me decepcionado um pouco. Isso quer dizer que é um livro ruim? Não! Longe disso. Mas ficou aquém de minhas, sempre abundantes, expectativas. Isso não é pouco para um fã que sempre quer ter todos os livros do autor logo ali, se possível, ao alcance das mãos. Quem leu King e não se tornou fã que atire a primeira pedra, vamos lá, eu aguento (num universo de milhões de leitores, talvez exista 2 ou 3 dezenas de insatisfeitos, eu disse “talvez”).
O mestre já escreveu sobre quase tudo: vampiros, lobisomens, fantasmas, viagem no tempo, casa mal assombrada, invasão alienígena. Porém, agora está inovando. Passou a revisitar a própria obra.
Perceba como o mestre nos pega logo no início do primeiro conto 1922 (enorme como uma novela), em seu primeiro parágrafo:
“Meu nome é Wilfred Leland James e esta é minha confissão. Em junho de 1922 eu matei minha esposa. Arlette Christina Winters James, e escondi o corpo em um velho poço. Meu filho, Henry Freeman James, me ajudou, embora ele não possa ser responsabilizado pelo crime porque na época tinha 14 anos. Eu o persuadi, jogando com seus medos e contendo suas objeções mais do que naturais durante dois meses. Me arrependo disso mais amargamente do que do crime, por motivos que este documento vai revelar.”
Pronto, já estamos à mercê do mestre. Nem preciso dizer muito mais deste conto. Então, como diria Wilfred para seu filho Henry logo após matar sua esposa e mãe do garoto: “Aguenta firme, caubói – agora que já começamos temos que ir até o fim!”
Vou saboreando frases aqui e ali, e algumas com este tipo de comparação conotativa valem o livro:
“Ele gritou tão alto que os corvos saíram voando da cerca e rodopiaram para longe no céu azul, como pedaços de papel queimado.”
Para quem acha que o mestre está abandonando o terror (ou horror, como queiram) é melhor rever e reavaliar seus conceitos, porque ele anda mais tenebroso que nunca. Nada escapa ao olhar aguçado de King, nada é banal.
O que temos no conto Gigante do Volante é uma mesma variação do primeiro conto. Lidar com o assassinato e conseguir manter um pouco de sanidade.Em uma entrevista de King, ele deixa claro o quanto sua esposa Tabitha gosta de atalhos, e este livro é dedicado a ela, aliás, este conto é a cara dela. Há nele um questionamento que é bem atual – uma mulher “merece” ser estuprada, é uma vítima nata, por estar usando uma roupa sexy, provocante?
“... O atendente atrás do balcão olharia para os machucados em suas bochechas e testa, para o nariz quebrado e os lábios inchados, e ele poderia até não dizer nada, mas Tess o veria arregalar os olhos. E talvez conter um sorrisinho. Porque, vamos encarar, algumas pessoas podem achar engraçado ver uma mulher destruída. Principalmente em uma noite de sexta-feira. Quem lhe bateu, moça, e o que você fez para merecer? Mudou de ideia, de repente, depois de um cara gastar o tempo dele com você?”
King domina a arte de recontar uma história, mesmo que esta história seja sua. Tess Jean (a mulher do conto) é o Paul Sheldon de saias (quem já leu Misery ou Angústia, numa versão mais antiga, sabe bem do que estou falando).
“... E não, não parecia ser a voz dela. Ou não exatamente a voz dela. Talvez fosse aquela que pertencia ao seu eu mais íntimo, a sobrevivente. E a assassina – ela também. Quantos “eus” desconhecidos uma pessoa poderia ter, escondidos lá no fundo? Tess começava a achar que o número podia ser infinito.”
Inúmeros “eus” se se tratar de King, com certeza!
O conto Extensão Justa é outro típico King, parecidíssimo com o seu Trocas Macabras, ou melhor ainda, com o clássico A Pata do Macaco de W.W.Jacobs:
“— Então você sabe que as pessoas precisam de extensões para compensar algo que está faltando: falta de crédito, falta de pinto, falta de visão etc.”
Estas tais “extensões” são permutadas, é claro, e o que você deve dar em troca pode trazer consequências irreparáveis:
“Streeter sentiu uma súbita e quase irresistível vontade de quebrar a garrafa de cerveja no chão do pátio e cravar o gargalo afiado e ainda espumante nos olhos do amigo. Em vez disso, sorriu, bebeu mais um gole e então se levantou.”
Agora imagina só a figura do caixeiro viajante, vendedor, escamoteador:
“... Streeter observou sem se surpreender que os pingos da chuva que caíam nas mãos e nos braços de Odabi evaporavam e chiavam.”
E finalmente, no último conto Um Bom Casamento, que foi o que mais gostei, temos uma mulher chocada com a descoberta de alguns segredos do marido:
“... É um engano, tem que ser, estamos casados por mais da metade de nossa vida, eu saberia, eu saberia... E existe quem conheça outra pessoa de verdade?”
Neste conto temos a retomada de uma novela famosa sua – Fúria – que foi proibida pelo próprio autor, por ter sido encontrada junto a um dos assassinos do massacre de Columbine:
“Nós íamos montar uma barricada na ala de ciências. Trancaríamos as portas com correntes, mataríamos algumas pessoas, a maior parte professores, mas também uns caras de quem não gostávamos... Nós manteríamos as garotas que esnobavam a gente como reféns...”
Como seria viver na escuridão – seja por culpa, seja por pena de si, seja por vingança? Como diria o ditado: o que difere o remédio do veneno é a dose. A maneira de King purgar seus medos, desejos e pensamentos é a escrita. Escrita em doses cavalares.
No posfácio King diz um pouco de onde tirou as ideias para cada uma das histórias, mas não me deixo iludir, um ficcionista pode fantasiar a verdade e tornar verídica cada mentira declarada.
Como diz o autor: “É impossível conhecer alguém completamente, até mesmo aqueles que mais amamos”, porém há pessoas que conseguem raspar o verniz que há por cima e dar uma espiada no que há por baixo. King é uma delas. Imagino que assim ele se sinta vingado.
Oi, Rodolfo! Li esse livro em 2015 e os contos ainda reverberam na minha cabeça. Assisti a adaptação tbm de 1922 e posso dizer que gosto muito do clima sombrio e perturbador desse conto. Aliás, todos os contos desse livro trazem elementos perturbadores. Gostei desse paralelo que vc fez quanto ao Extensão Justa e A Pata do Macaco. Dois excelentes contos!
ResponderExcluirNunca li Stephen King porque o estilo de escrita dele não é me estilo de leitura, mas para quem gosta ele é King mesmo, já que nunca ouvi alguém falar mal dele.
ResponderExcluirDanielle Medeiros de Souza
danibsb030501@yahoo.com.br
Ola Rodolfo
ResponderExcluirNunca li nada desse autor ,até tenho um livro dele que é A espera de um milagre e pelo que sei não é terror,mas ainda não li. Naõ curto o genero que ele escreve.
Gostaria de ler essa obra do King.
ResponderExcluirJá li alguns livros dele e curti.
Tenho uma amiga que ama Escuridão Total Sem Estrelas
Ah! Rodolfo querido!
ResponderExcluirComo não amar os livros do King, seja lá em qual estilo ele escrever?
Claro, tem alguns um tantinho menos favorito, um tantinho diferenciado e ainda assim é bom.
E com tantos contos... livro genial!
Aproveito e já deixo meu Feliz Natal para você e sua família!
Muita luz!
cheirinhos
Rudy
Ah Mestre!!!
ResponderExcluirEu li esse livro já tem um tempo e ele estava nos planos para ser relido este ano e não deu tempo. Mas fica de promessa para o próximo(que ninguém acredite nisso rs)
Mas eu amo contos, eu gosto do King escrevendo sobre a mente e maldade humana. Eu gosto de King escrevendo poesia(que ele não leia isso)
Beijo
Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor
Olá Rodolfo!
ResponderExcluirEsse livro do autor é um espetáculo a parte com sua edição lindíssima de folhas pretas. Eu gostei da temática dos contos, principalmente Gigante do Volante. O autor sabe mesmo explorar a essência humana em suas histórias e isso é maravilhosamente perturbador.
Beijos
Ainda não li King, mas percebo que ele tem uma escrita impressionante - tenho até curiosidade, exceto pelas de terror psicológico. Frustrante quando uma história de um autor tão amado nos decepciona, né? Mas achei interessante saber sobre os contos e tudo o que abordam.
ResponderExcluirAbraços
Eu amo essa versatilidade do King, tem vários livros totalmente do gênero terror que não arisco a ler... mas sempre acho um legal que vá me agradar.
ResponderExcluirOi, Rodolfo!
ResponderExcluirNunca li nada do Stephen King, mas tenho curiosidade em conhecer a sua escrita, contudo, se esse dia finalmente chegar será através dos seus livros psicológicos pois não curto terror.
Eu gosto de contos, mas como disse eu não curto terror por isso não sei se eu leria Escuridão total sem estrelas... Mas quem sabe eu arrisque a leitura dele algum dia?!
Bjos!
Olá! Eita que já estou ficando, a cada nova resenha, mais animada para finalmente conhecer a escrita do autor, principalmente quando sou apresentada a esses seus livros que nos presenteiam com vários contos (gosto bastante), e que nos permite conhecer em um só volume várias de suas facetas.
ResponderExcluirOi Rodolfo,
ResponderExcluirJá li algumas obras do King, algumas me fisgaram, outras nem tanto.
Hum, nessa ele revisita suas próprias histórias? É, um autor de renome como ele tem muito material para recriar.
Gostei de ver esse panorama dos contos, essa pincelada me deixo interessada para saber qual será o rumo das narrativas.
Amo a escrita de King, apesar de já o ter odiado em alguns momentos, mas ele é genial e eu sempre retorno aos livros dele. Não curto terror, mas os dele eu amo. Bem diferente o título desse livro, seria um livro que eu não compraria pelo título, mas quando venoso autor, isso passa. kkk
ResponderExcluirOi, Rodolfo
ResponderExcluirAii sou louca para ler esse.
Amo contos e quero ler mais do King, então acredito ser uma boa.
Logo lerei.
Os contos pelo jeito são muito bem escritos e com sua carga de terror traz várias reflexões e angústia para o leitor.
Bjs
Olá, Rodolfo
ResponderExcluirAinda não li nada do autor, mas vontade é que não falta.
Tenho a coleção biblioteca king e os 4 livros inclusive esse que compõem o kit King no cinema. Qual você indica pra começar ler?
Adorei saber mais sobre os contos do livro, curiosa pra ler.
Beijos
cara Luana, eu leria o primeiro livro de King - "Carrie". já neste primeiro livro ele mostrou bem a que veio. bjos
ExcluirAi ai que vai ano, vem ano e a leitura de um livro do autor fica apenas na promessa, mas como boa brasileira um dia vai, há se vai (risos), brincadeiras a parte, espero sim, finalmente ler um livro do King e porque não começar com esse, afinal, acho que essas pequenas doses são mais fáceis de digerir.
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