O chibata da ignorância rasgando as costas da alma
O que dizer de um livro que trata da crueldade a que o ser humano pode alcançar? Ainda me encontro estupidamente revoltado, tentando me concentrar nas palavras corretas para não fugir do que tenho que falar. Quero me expressar sem rancores.
Doze anos de escravidão (Penguin-Companhia, 280 páginas) é um daqueles livros que nos achata, nos apequena, nos envergonha, só por fazermos parte da raça humana, homo sapiens.
Título: Doze Anos de EscravidãoOnde comprar: Amazon
Autor: Solomon Northup
Tradutor: Caroline Chang
Editora: Penguin-Companhia
Gênero: Memórias
Páginas: 280
Edição: 1ª
Ano: 2022
Solomon Northup narra seu calvário com retidão, em momento algum apelando para o sensacionalismo, traçando fielmente, com riqueza de detalhes seu sofrimento, sem jamais perder a fé, acreditando serem desígnios de Deus. Muitas vezes isso me perturbava, já que não acredito que tenhamos que passar pelo sofrimento para alcançar a glória, isso sempre me pareceu despropositado. Porém, foi isso que o manteve vivo, portanto não posso discutir o resultado, apenas o argumento:
“Eu me sentia aflito, mas grato. Grato por minha vida ter sido poupada, mas aflito e desconsolado com as perspectivas que tinha pela frente. O que seria de mim? Quem se compadeceria de mim? Para onde eu fugiria? Ó, Deus! Tu, Senhor, que me deste a vida, e que implantaste em meu peito o amor por esta vida e que a encheu de sentimentos, tal como as dos outros homens, Tuas criaturas, não me abandones. Tenha piedade deste pobre escravo. Não me deixeis perecer. Se não puder contar com o Teu amparo, estarei perdido! Perdido!... Parecia que eu havia sido esquecido por Deus — além de desprezado e odiado pelos homens!”
Solomon, um homem livre, residente num Estado livre, parte norte dos Estados Unidos, casado, próspero trabalhador, pai de três filhos, é ludibriado, sequestrado, em 1841, e vendido como escravo:
“Agora, sob a sombra de uma nuvem escura, adentro as densas trevas em meio às quais logo desaparecerei, para ser, a partir de então, oculto dos olhares dos meus entes queridos e privado da doce luz da liberdade, por muitos anos de extenuante sofrimento.”
Por 12 anos é vítima de flagelos, vivenciando a vida dura de seus pares, até ser resgatado:
“Ele (Epps, dono dos escravos) teria permanecido impassível e inamovível ao presenciar as línguas de seus escravos serem arrancadas a ferro de suas bocas; ele poderia tê-los visto serem reduzidos a cinzas, sobre fogo lento; ou destroçados, até a morte, por uma matilha de cães, desde que isso resultasse em lucro, para ele. Um homem duro, cruel e injusto...”
Toda essa vileza era o dia-a-dia de Solomon, seu café com leite (se eles tivessem direito ao café com leite, impensável). Seu pesar é admitir sua incapacidade em mudar a vida daqueles que ficaram pra trás, que nasceram na parte sul e que nunca, em momento algum, livrar-se-ão do jugo opressor de uma mentalidade arcaica e desumana:
“... eu era ignorante demais, — ou, talvez, independente demais — para conceber como alguém poderia contentar-se em viver na abjeta condição de um escravo. Eu não podia compreender a justiça de uma lei ou uma religião que apoiasse ou reconhecesse o princípio da Escravidão...”
Solomon é um homem letrado e sabe se expressar de forma incomum, dá uma vontade enorme de conhecer quem consegue transmitir o que pensa de forma poética, como sua tradução de uma das poucas festas natalinas das quais participou:
“Todos sentam-se à mesa rústica — os homens de um lado e as mulheres do outro. Entre os pares que eventualmente compartilhem de alguma afeição mútua, ambos procuram sentar-se frente a frente, pois o onipresente Cupido não se furta a lançar suas flechas nos corações simples dos escravos. Uma felicidade pura e exultante ilumina todos aqueles semblantes escuros. Os dentes marfíneos, contrastando com suas compleições negras, perfazem duas alvas fileiras ao longo de toda a extensão da mesa. Por toda a superfície abundantemente provida, muitos olhos rolam em êxtase...”
Seu vocabulário é tão rico que fiquei imaginando se fora ele mesmo, seu editor ou o tradutor quem realmente pintou o livro com estas cores. A época é outra e talvez isso explique tal refinamento, que me deixou encantado.
Enfim, a guerra é horrível, porém a escravidão é a barbárie, a especulação sobre a liberdade é inconcebível, a venda da carne humana é deplorável. Isso tudo numa nação em que se preza pela liberdade, que vive da meritocracia. Sabemos bem o que se passa na mente escravocrata, mas o que pensam os escravos?
“Os senhores de escravos enganam-se a si mesmos, crendo que o negro ignorante e despojado não pode conceber a magnitude dos erros deles. Estão errados ao imaginarem que os escravos se erguem de seus joelhos, com as costas laceradas e ensanguentadas, acalentando em seus espíritos apenas sentimentos de humildade resignação e perdão. Um dia poderá chegar — e chegará, certamente, se as preces forem atendidas — em que uma terrível vingança irá abater-se sobre seus senhores; dos quais, então, terá chegado a vez de implorar, em vão, por misericórdia.”
Podemos perceber que clamavam por vingança, não mais por justiça. O sofrimento é grande, por isso o mínimo que podemos fazer é não deixar que isso caia no esquecimento. Sob pena de sermos julgados coniventes.
Oi, Rodolfo! Não tive a oportunidade de ler o livro, mas já assisti ao filme e é uma mistura de revolta, indignação e perplexidade diante de tamanha crueldade. Gostei muito dos trechos que vc destacou. Com certeza uma leitura importante e necessária.
ResponderExcluirO tipo de livro que todos deveriam ler como um lembrete de uma época horrível que ainda não foi de todo superada.
ResponderExcluirDanielle Medeiros de Souza
danibsb030501@yahoo.com.br
Com certeza uma leitura densa, forte que entristece e revolta
ResponderExcluirSó não entendi as três estrelinhas! Quando o li, achei tão intenso e sofrido. Claro, impossível dizer que se gosta de ler algo assim, mas é tão necessário que precisamos sentir essa dor sim.
ResponderExcluirNão é um livro fácil. Mas que enriquece nosso aprender para que situações por mais que sabemos que ainda aconteçam, acabem de vez, como teria que ser desde o início!!!
beijo
Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor
Rodolfo!
ResponderExcluirJá pude ler o livro, não nessa edição, mas em uma mais antiga de outra editora.
Realmente causa indignação, não gosto nem de lembrar. E o pior é que nós não temos nem noção do que a personagem e todos os escravos, passaram, porque estamos em época totalmente diferente.
Abomino qualquer tipo de preconceito e ver um homem livre e letrado, só por ser negro, passar por tantas agruras, dói o coração.
Se puder, assista o filme também...
cheirinhos
Rudy
Uma leitura difícil, mas muito necessária, né? De fato, essa barbárie não pode ser esquecida, o que torna essa leitura ainda mais intrigante. Imagino o misto de sentimentos que deve provocar...
ResponderExcluirAbraços
Sem dúvida, mais um livro de leitura obrigatória né, ainda mais por retratar um período tão vergonho e infelizmente, por vezes, ainda se faz atual, ainda não tive a oportunidade de ler, mas espero fazer isso em breve.
ResponderExcluirUma leitura que mostra o quanto o ser humano pode ser cruel uns com os outros .Nunca vamos saber de fato o quanto os escravos sofreram mas leituras assim são necessárias para vermos o quanto cruel o ser humano sabe ser.
ResponderExcluirOlá! Uma leitura muito necessária, mas que também é bem difícil, afinal trata de um tema bastante revoltante.
ResponderExcluirAinda não tive coragem nem para assisti ao filme, pois me falaram que choca a gente. Mas è uma leitura necessária e tenho muita curiosidade em conhecer esse personagem que vivenciou tanto sofrimento.
ResponderExcluirOi,
ResponderExcluirAiii que história!
Solomon sofreu muito mesmo.
Não dá pra mensurar tudo que a escravidão faz com as pessoas e essa história é terrível.
Mas que homem forte e guerreiro ele foi!!!
Logo lerei .
bjs